21.9.17

Diário de Bordos - Lisboa, 22-02-2017

No restaurante Zapata o homem assobia o tempo todo. Só interrompe o assobio quando pede qualquer coisa à rapariga do balcão ou da cozinha, não percebi bem. O assobio incomoda-me exponencialmente, mas olho em volta e vejo que sou o único. Os turistas devem considerar aquilo very typical e os portugueses - em minoria - não ligam.

Eu ligo. Deixo o jantar a meio e venho-me embora, a pensar ainda por cima que um tipo com aquela cara e que assobia mal, desafinado e escolhe músicas tão horríveis não vai decerto ser sensível ao meu eventual pedido de se calar.

Não foi a única cereja no bolo do dia. Foi um dia rico, teve direito a duas cerejas: o jantar (felizmente ao lado está o bar Irreal e ali tomei um comprimido para a dor de cabeça e descomprimi, sequência algo paradoxal mas que aconteceu mesmo, devido ao bar, aos gins e às companhias, bonitas e simpáticas) e depois lá consegui arranjar um sítio para dormir e quando o homem do táxi me diz onde é - deixou-me no cruzamento porque teria de dar uma volta enorme, obrigado Uber - vejo que é no prédio onde a minha Tia trabalhou tantos anos, o prédio do FAOJ, Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis. Fui lá muitas vezes, quando fazia as colónias de férias para crianças dos bairros de lata.

E assim termina o dia, cerejas e tudo, foi um dia chato, mais ou menos, mas eu gostei. Acabo sempre por gostar, é uma seca. Amanhã volto ao médico, por exemplo. É bom. Começo a pensar que devia tornar-me hipocondríaco, assim pelo menos retiraria prazer das visitas ao Centro de Saúde. E beberia imperiais pensando no bem que me fazem, como agora bebo e penso.

Amanhã é outro dia. Com uma sorte não terá cerejas; com outra sorte tê-las-á. Venham as duas: recebê-las-ei de braços abertos, a caminho do médico.

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