26.3.17

Nem penses

Uma sala às escuras. Só uma das paredes está iluminada: tem uma palavra escrita e visivelmente quem a escreveu quer que seja lida.

A palavra, contudo, muda. Nem todos os dias é a mesma. Às vezes é um simples e claro "Não!". Outras é "Proibido"; ou "Interdito". Às vezes são duas palavras: "Nem penses". A sala é grande como o desejo e o gozo consiste em chegar o mais perto possível da parede que está iluminada sem nela esbarrar.

Apesar de iluminada vê-se mal. Tem de se lhe andar milimetricamente perto mas sem pensar sequer em lhe tocar. O jogo prolonga-se, como o prazer num dia de sol ou o mar visto de uma esplanada na praia. A iluminação da sala também muda, passa do mais claro ao mais escuro, do dia à noite sem crepúsculo. Ou então é um longo lusco-fusco, sem que se possa perceber se matinal se vespertino. Nada é estável, excepto uma palavra: a que dá o nome à parede - e mesmo essa muda de vez em quando, aleatoriamente.

Por vezes afasta-se (a parede); fica invisível (a palavra). Há que correr atrás dela: não se pode ficar longe do que foi escrito, no escuro, por alguém que visivelmente não sabe ler mas quer ser lido.

Não vale tactear. Não vale fingir. Não vale hesitar. Nada é válido excepto o esforço de andar o mais perto possível da parede sem lhe tocar, sem luz e sem mãos.

Nem penses. Interdito. Proibido. Não. Sem mãos. 

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