14.8.16

Diário de Bordos - Praia da Rocha, Algarve, Portugal, 14-08-2016

O italiano da cama de baixo foi-se embora. Falei com Vera, a jovem que toma conta do Albergue (ou será Pousada? Albergue dá assim um aspecto de beneficência; Pousada parece mais rico. Já a jovem senhora dá um aspecto de saúde, vigor e energia cujo nome agora me escapa). O homem estava convencido de que tinha reservado um quarto privado; não tinha. Daí provavelmente a cara de poucos amigos com que enfrentava o infortúnio.

Enfim, foi-se embora. Desconfio de homens velhos de rabo-de-cavalo e de jovens que não falam inglês, façam o que fizerem com o cabelo. Este não o tinha, de todo; e tão pouco falava uma palavra de inglês ou francês. Como é que se viaja sem falar pelo menos inglês? Eu tenho sorte, sei: posso viajar por parte do ocidente e falar a língua dos indígenas. A lingua franca serve no resto do mundo. Um gajo que não percebe nem se faz perceber tem de conviver com injustiças, naturalmente. Como darem-lhe um dormitório em vez de um quarto privado. E levar com um velho que quando está grosso ressona no beliche de cima.

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Ando em fase de sorte e os infortúnios são poucos, graças a deus. Por vezes lá me calha um ou outro, para não me esquecer. Mas nada que exija cara de poucos amigos e um diálogo matinal não cure.

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Soljenítsin tinha uma alegoria muito bonita no Arquipélago, creio. Ou no Denisovich: o que os animais recebiam de deus depois do nascimento. Tenho que reencontrá-la. Eu recebi mais do que a minha justa dose de muitas coisas; como contabilizar o que não me calhou no cesto? Também foi mais do que a justa quantidade de ausência.

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