11.7.16

Caroline

O periquito da vizinha grita "On a gagné" sem parar. Assim mesmo, em francês. A vizinha é francesa, mas o marido é português. Não sei de qem terá o bicho herdado a expressão, ou porquê. De vez em quando como-a - enfim, de vez em quando é uma maneira de dizer. É sempre que o marido não está. O homem é marinheiro, graças a Deus. Não está mais vezes do que as que está -.

Chama-se Caroline. É magra, morena, inteligente, rica e tem um belíssimo par de mamas. Gosto dessa combinação: mamas grandes em gajas magras. A minha Adelaide era ao contrário: gorda e com nada que se veja. Não se lhe distinguiam as mamas do resto das gorduras.

E ainda há quem me critique por causa da francesa. Moramos num prédio ali para os lados da Escola Politécnica, ela numa casa muito grande, com vista para o Tejo do primeiro andar e eu num cubículo do rés-do-chão. Tem um sorriso bonito, comunicativo, o que não admira. Surpreendente seria se andasse zangada com a vida. Tem talento, a mulher. É daí que lhe vem a massa, não da família nem do marido (esse gasta o que tem e o que não tem. A gaja qualquer dia cansa-se de mim e separa-se dele. Já faltou mais).

É advogada num daqueles grandes escritórios da cidade. Ganha a rodos, mas transpira-o. Aquilo não lhe cai do céu. Tivesse ela menos talento e seria insuportável. Como tem não é: a arrogância apoiada no talento aguenta-se bem, quase se desculpa. No caso dela não é sequer arrogância: se fosse não andaria comigo como anda, parece que somos casados. Fala-me dos problemas do escritório, das pegas com o marido, da vontade que tem de mandar tudo e todos dar uma volta.

Não é por cobardia que não o fez ainda. É por falta de paciência.

II
Moro num apartamento minúsculo por baixo do dela. Tomo conta do prédio; ou seja, sou o porteiro. Vim aqui parar há alguns anos. Era fotógrafo e decidi deixar de o ser. Uma amiga de Adelaide falou-me do prédio. Precisavam de um porteiro, o anterior tinha morrido de velhice. Pagavam pouco mas davam o apartamento e respectivas despesas: água, luz e gás. Trabalho duas horas por dia para eles e o resto para mim: cozinho num café aqui perto, escrevo para uma revista e resisto à tentação de voltar à fotografia. Adelaide foi-se embora. Era mais nova do que eu e resolveu arranjar um puto mais novo do que ela, suponho que para equilibrar. Ao princípio doeu-me bastante, como se tivesse levado um braço com ela, ou uma perna. Depois passou. Comecei a andar com a Caroline por acaso, sem querer: ela perguntou-me se podia cozinhar para um jantar que ia dar; disse-lhe que sim. Depois do jantar fiquei para lavar a loiça e arrumar a cozinha. Os amigos (o jantar era mais de negócios do que de amizades) foram-se embora e ela veio ter comigo à cozinha. Começámos a conversar, pela primeira vez desde que estava no prédio. Fazia dois ou três anos, mas nunca passávamos do bom dia, boa tarde ou de coisas relacionadas com o meu trabalho: uma reparação a fazer, um fornecedor que era preciso esperar.

Quando acabei disse-lhe que me ia embora, boa noite. Eram cem euros, por favor. Perguntou-me se podia esperar um bocadino na sala, ia buscar a massa. E de caminho se queria beber qualquer coisa. Ela estava com vontade de beber um copo de vinho. Quereria acompanhá-la?

Queria. Desde que Adelaide se fora embora não estava com uma mulher; e desde muito antes de Adelaide com uma que me agradasse tanto como esta.

(Cont.)

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