12.6.16

Lisboa, à espera

É domingo de Santos Populares e eu, pouco dado tanto a uns como aos outros refugio-me no Tati enquanto o Tabernáculo não abre. Vou assar sardinhas, febras, entremeada e coiratos. Até lá bebo vinho branco, leio Nuno Júdice e olho para o calor que invade a rua, para a luz que o provoca - o céu está azul claro, as telhas do mercado encarnadas como se estivessem em chamas, o alcatrão das ruas amarelo e as pessoas movem-se como se estivessem no fundo de uma piscina -.

A música do Tati é excelente, como sempre. Das mesas chegam-me pedaços de frases em inglês, português, francês ou espanhol. Não as oiço. Poisei o livro de Júdice para escrever e pensar - não sei se por esta ordem ou pela inversa - e olhar para a rua. Já uma vez comparei a luz de Lisboa à água de uma piscina (por causa da densidade, da espessura) e a analogia não é completamente tola. Vejo a luz e o calor como oiço as pessoas, peço outro copo de vinho, falo com a jovem que mo serve ou penso nos poemas que acabei de ler.

"Vou dizer-te uma coisa simples: a tua ausência dói-me. ..."

Ou:
"Escuto o silêncio das palavras. O seu silêncio
Suspenso dos gestos com que elas desenham
Cada objecto, cada pessoa, ou as próprias ideias
Que delas dependem. Por vezes, porém, as
Palavras são o seu próprio silêncio. Nascem
De uma espera, de um instante de atenção..."

Nuno Júdice é um dos meus poetas favoritos. Ainda bem que não sei escrever: se soubesse escreveria como ele e não teria graça nenhuma.

Os romances de Böll também falam nesta suspensão do tempo, neste aquário que a tarde parece, nesta solidão fundamental e impossível de resolver porque nasce do silêncio, esse silêncio ontológico, visceral, concreto que é o meu.


Não tenho dinheiro mas tenho sorte. Já me aconteceu o contrário: ter azar e massa ao mesmo tempo. Na verdade já me aconteceu quase tudo: ter azar e não dinheiro, sorte e tê-lo, amar e ser amado, amar e não o ser, ser e não amar.

Por isso acredito na lentidão. Por isso gosto da lentidão, do calor,  desta piscina na qual, perante os meus olhos perpetuamente surpresos, a vida se deixa viver, puta lassa à espera sem pressa de que o último cliente se venha.

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