2.1.16

Diário de Bordos - Simpson Bay Marina, Sint Maarten, Antilhas Holandesas, 02-01-2016

M. é uma senhora francesa, pequena, magra, com a pele e a voz de quem teve muito tempo exposto ao sol e ao rum dos trópicos.

Já pouco francês fala. Exprime-se melhor em espanhol. Melhor talvez não seja o termo certo. Mais fluentemente. Na verdade não percebo nada do que ela me diz seja em que língua for. Devem ser poucas as sinapses alinhadas que ainda lhe sobram.

Como todos os franceses M. tem um problema não com uma coisa em particular mas com o mundo em geral. É com o alojamento  (mora no barco de uns amigos); o trabalho (tema vasto e abrangente. Vende timeshares na rua); o filho que lhe pediu cinco mil euros (ela mandou); o "dinheiro da Grécia" (chega para a semana. Não faço ideia). E por aí adiante, uma catadupa de contratempos mencionados numa voz rouca em espanhol correcto mas sincopado, elíptico, como se todos nós soubéssemos o que é "o dinheiro da Grécia" e porque tarda a chegar; ou porque é que ela não pode nem pôr uma garrafa de água no frigorífico do barco onde vive e de onde quer sair mas para isso precisa de arranjar casa e ela não vai pagar setecentos dólares por mês por uma casa mai-lo depósito  (dois meses) porque "não é loira" (por acaso ou por escolha é) e e e e.

Hoje apareceu-me a bordo. Disse-lhe que J. ( a tripulante, através de quem a conheci) não estava e ela respondeu-me que sim, sabia, mas vinha por mim. Fiquei um nadinha assustado e lamentei não ter bebido mais uma cerveja no Lagoonies. Cheguei a bordo exactamente ao mesmo tempo que ela.

Queria levar-me ao lado francês, a uma empresa onde eu estava para ir segunda-feira porque talvez tenham trabalho e o S. M. está praticamente pronto.

Anuí contrafeito. Antes tinha de pôr a carne picada a marinar e depois ir comer qualquer coisa ao Market Garden. Que sim e veio comigo. Por acaso esquecera-se da carteira no carro e portanto paguei-lhe o almoço. Depois já no Time Out Boatyard, TOBY para habitués paguei-lhe uma cerveja.

Tentei encontrar um tema de conversa que nos permitisse trocar meia dúzia de palavras mas foi como jogar pingpong com um paralítico.

No regresso explica-me que tem duas casas. Uma em França está alugada. Na outra, em Fuerteventura, mora a filha. Por esta altura começo a perceber ligeiramente o que ela me diz, mas expliquei-lhe que tinha uma sesta por dormir e despedi-me.

(Havia uma festa qualquer no estaleiro e o dono da empresa estava lá. Estão com muito trabalho e é possível que haja algum para mim. Diz-me na segunda-feira.)

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R. voltou do charter e hoje vamos jantar a bordo do S. M. É a nossa vez de retribuir os inúmeros jantares que fizemos no S.

É bom.

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Ando entusiasmado com as fotografias, mas gostava de ter uma máquina e de as fazer mais sistematicamente.

A máquina não vai tardar muito. Já o resto não sei.

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Estou ansioso por ter o S. M. pronto e estar sentado num avião a caminho de Atenas.

Ou seja: estou ansioso por me ver com saudades dele.

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A alguns metros de mim uma jovem senhora fala ao telefone. Não presto atenção até que uma frase me bate nos ouvidos e entra sem pedir licença: "onde estás agora?"

De repente pareceu-me que ela estava a falar comigo, de tantas vezes me fazem essa pergunta.

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O Natal afasta-se e o vento cai. O programa de amanhã é aparelhar a grande e tudo indica que vai ser cumprido.

É o último "grande" trabalho no S. M. Depois vão ser só festinhas, carícias e coisas ligeiras para pagar o alojamento.

Uma hora por dia de ternura post-coital. Post coitum omni animal...

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