17.12.15

Diário de Bordos - Simpson Bay Marina, Sint Maarten, Antilhas Holandesas, 17-02-2015 / II

Misturei costeletas de porco, azeite, amêndoas,  vinho tinto, alho, orégãos e paprika  (e sal e pimenta) na mesma frigideira e deixei frigir.

Faltou um bocadinho de rum e outro de gengibre.

A vida é assim: falta sempre um bocadinho de rum, pelo menos.

Eu gosto dela, apesar disso. Acompanhei o jantar com blues, não fosse a tripulante pensar que só gosto de música com cinco séculos e agora ouço o pior disco de Bruce Springstreen: o que começa com Born in the USA e continua com merda do mesmo nível. Mal acabe de escrever isto vou pôr o Nebraska, ou o fantasma de Tom Ghost  (?) ou algo do género.

Lembro-me mal dos títulos dos discos. Falha que me ficou da adolescência: sempre preferi o conteúdo ao continente. Se calhar é por isso que me esqueço tão facilmente do nome das pessoas.

Não é por pedantice, apesar de o ser. É apesar de o ser. Pedantice ao contrário, ao avesso, humilhante e vergonhosa. Não recordo facilmente o nome das pessoas que cruzo. Nem dos discos.

Mas recordo outras coisas: as noites maravilhosas que passei com N. em Shelter Bay, por exemplo. As noites no mar, sem música, com toda a gente a dormir. As noites em Lisboa naquilo que tenho mais próximo de uma família. As noites em Antigua com a minha filha Lena.

Não que as minhas recordações sejam exclusivamente nocturnas, longe disso. Mas porque agora é noite e oiço um disco que vou mudar não tarda e amanhã vai ser um dia bom como hoje foi e um gajo pensa que está sucessão de dias bons tem de certeza uma sucessão de noites iguais.

Ou pelo menos teve.

Tom Joad, estúpido.

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Começou a chover. Era o que eu precisava para acabar o trabalho no mastro.

Vi-o hoje de manhã na previsão meteorológica. É raro apreciar uma previsão de chuva e ainda mais gostar de que se concretize.

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Enquanto isso as coisas continuam simultaneamente independentes da nossa vontade e moldáveis por ela, em quantidades reduzidas.

Reduzidas não. Variáveis,  consoante a natureza d'"as coisas".

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Quando acabar o Tom Joad vou pôr a Pietra Montecorvino. É uma espécie de Springstreen mediterrânico e feminino. Duas vantagens.

A única coisa que o Mediterrâneo não tem de bom é o mar.

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Cada vez leio menos e escrevo mais. Não é difícil de verificar: isto só não está cada vez pior porque pior é impossível.

Reconfortante e encorajador: saber que nada pode ser pior de que o que está é  meio caminho andado para melhorar.

Infelizmente é a metade mais fácil, mas isso é outra história.

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Se eu tivesse juízo ia buscar um bocadinho de rum. Infelizmente não tenho e vou dormir.

Nunca terei.

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