10.8.15

Diário de Bordos - Ipswich, Reino Unido, 05 a 10-08-2015

Não é a primeira vez que estou em Ipswich, mas é como se fosse: não me lembro absolutamente nada do lugar, excepto de o ter achado mortalmente aborrecido. Desta vez não terá tempo de me entediar: daqui a pouco estarei no comboio a caminho do aeroporto a caminho de Lisboa a caminho de Alvaiázere.

O transporte correu bem, sem percalços de maior, se excluirmos os provocados pela minha incapacidade de gerir o meu dinheiro. Com a qual, de resto, cada vez lido pior. Começo por achar injusto que esta incompetência se manifeste apenas quando a massa é minha; com a dos outros sou o cuidado e a atenção personificados. Depois acho indecente ser-me cada vez mais difícil de aceitar: a prática devia tornar isto mais fácil, não o contrário.

Enfim, as coisas resolvem-se sempre. Penso em Attali: todos os Ulisses precisam de uma Penélope.

Sem Penélope Ulisses não passaria de um imigrante que se perdeu no caminho de regresso a casa.

Sonho com uma vida chata como o fundo de uma banheira.

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Hoje comparava as ausências de vento e de dinheiro. Têm um efeito comum: este devastador, esmagador, demolidor sentimento de impotência. Porém, a falta de vento aceita-se mais facilmente: não há nada que se possa ou pudesse ter feito para a evitar. A de carcanhol não: só provoca perguntas cujas respostas são na sua maioria desagradáveis.

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Saímos da Escócia com vento, chuva e frio. Passámos a "fronteira" com a Inglaterra e temos sol, calor e uma total ausência de vento. Nunca pensei que um dia olharia para a Inglaterra com carinho pelo seu clima (exceptuando a falta de vento, claro, que é uma seca).

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Amar como o vento, que toca e não fica.

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Uma viagem que começa a um largo (frio e chuvoso, mas um largo) e acaba com uma bolina folgada gloriosa não pode ser senão uma maravilha. Calor, sol, vinte nós de vento, mar chão, leme leve e barco alegre: não é difícil perceber porque um dia assim vale vinte dos outros.

(Ou, acessoriamente, porque se chama folgada a esta bolina).

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Quem é contra o aquecimento global deveria passar uns dias na Escócia. Não precisa de esperar pelo Inverno: o Verão chega perfeitamente.

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Começando no través de estibordo uma série de plataformas de gás (mais de dez, parece uma frota); a bombordo a lua a nascer, cor-de-laranja; céu limpo, mar que parece uma piscina. Vinte milhas pela amura os clarões das diferentes cidades na costa. Menos frio do que ontem. Nem o facto de ir a motor consegue desclassificar esta noite: é magnífica.

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Cheguei às três da manhã e dormi até às dez. Não dormi, morri um bocadinho. Não acordei: ressuscitei.

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A costa inglesa está chei de wind farms, parques eólicos. Feios monstruosos, horrendos (se bem, admito, melhores do que o décimo de uma central térmica que dez mil ventoinhas substituem).

É preciso ser inglês para chamar farm a estes horrores.

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