28.5.15

Caravanserai, corpo

Um longo, enorme travelling sonoro; a lua esconde-se atrás da retranca da grande e envolve-a num halo esbranquiçado, estúpido; a música substitui o vento que hoje caiu, finalmente. Para que lado virar-me? Para a música? A lua amanhã estará noutro sítio; como tu, de resto. O vento em breve voltará; menos angustioso, talvez. Tu não. O tempo passa por ti como as caravanas pelo caravanserai. Não voltas: amanhã não serás o que hoje és, o que ontem foste.

É preciso imaginar uma pele. Um vento que a acaricia, centenas de caravanas que por ela passaram, um olhar que lhe fixa um futuro, um ponto no deserto.

"A pátria é um acampamento no deserto".

Não sei. Imagino um deserto, uma pessoa que nele se senta e o vê desfilar. A pessoa está imóvel; é o deserto que se move ao som desta música lunar. Camelos, berberes, tout le tralala. O gajo continua sentado.

Lembra-se de uma lua em crescente numa ilha das Caraíbas e pergunta-se Como pode a música que ouve descrever-lhe a puta da lua? Ou o vento? O resto?

É preciso imaginar um deserto e nele um caravanserai. Pessoas conversam, ouvem música. Talvez um bocadinho de vinho clandestino. Mulheres dançam.

Um homem diz: Prefiro acordar com uma mulher inteligente ao meu lado a acordar com uma bonita. Outro responde: Prefiro o olhar de uma mulher aos seus olhos. O terceiro: A inteligência é a única beleza.

Mariquices. Merdices. O deserto está-se nas tintas para a beleza ou para a inteligência ou para a puta que o pariu. O deserto é a vida e a vida só se interessa pela vida.

A música parece uma tempestade de areia, um squall no mar das Caraíbas, um camelo que se revolta na caravana, uma mulher que te diz sim.

Uma tempestade na calma do deserto. Uma tempestade no meio da calma. Um squall no caravanserai. A beleza onde menos a procuramos.

A imagem é esta: um homem sentado en tailleur porque está no deserto. O deserto move-se perante o homem sentado em tailleur. Avança, recua, esboça um passo de dança, troça do homem sentado. Um corpo, uma pele. Um turbilhão. Homens vestidos de azul; um homem nu sentado à beira do deserto, à beira da vida.

Uma pele e um olhar: a isso se resume um corpo. Num caravanserai, se estiver parado.

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