19.8.14

Homofonias

Cozinha todos os dias como se amasses pela primeira vez; ou pela milésima a mulher que amas realmente. Cozinha devagar, muito devagar; excepto quando é urgente que seja rápido. Toca em todos os ingredientes e mistura-os se for preciso. Mas só se for preciso. Se não for mantêm-os separados até que o momento chegue de uni-los.

Aquece-os todos - uns primeiro e outros depois - junta-lhes um bocadinho de amargo, muito pouco; ou de picante, se tu e a comida preferirem.

Não sigas receitas: inventa-as todos os dias, porque nada mata uma cozinha mais do que a repetição. Olha para o que estás a fazer, mexe e remexe, cheira e prova. E ouve: é importante ouvir o que a panela te diz. Pensa; como o amor, a cozinha é uma actividade intelectual.

Acompanha sempre que puderes com um copo de bom vinho, uma boa música (Miles Davis, Keith Jarrett, Sonny Rollins, Ben Webster, Hildegarde von Bingen às vezes, Coltrane, sempre, Glenn Gould, ou God Bless the Child na versão do Eric Dolphy, o melhor solo do mundo e arredores).

E ama. Como paradizia o outro, Põe amor em tudo quanto fazes; nada de teu desama ou ama em demasia.

Não sirvas quando estiver pronto, mas quando tu estiveres pronto.

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