25.4.13

Pergunta

Por que raio de carga de água pessoas que se declaram - e são - ateias se preocupam tanto com o que padres dizem? Com os muçulmanos ainda se pode perceber, eles costumam bombardear, queimar, lapidar ou chicotear quem não concorda com eles. Mas padres, bispos ou papas católicos?

Yelapas, Jalisco, México, 25-04-2013

Largámos de Puerto Vallarta um bom bocado mais tarde do que o previsto, e outro tão bom, ou maior ainda, antes do que poderia ter sido.

Estávamos preparados para ir até Acapulco, mas como de costume os deuses (desta vez encarnados em professores de universidade canadenses) decidiram de outra forma, e - sejam os senhores professores louvados - estamos num sítio soberbo, quinze milhas a sudoeste de Puerto Vallarta. Chama-se Yelapas, aconselho uma visita.

O ARCTIC FRONT está numa bóia a cem metros da praia. Espero que a amarra esteja em condições, que não entre vento esta noite, que as Margueritas sejam calmas.

Não é hoje que vou aprender a não ser o que sou; nem amanhã, ou depois. Paciência. Infelizmente convivo bem comigo mesmo. É uma atitude que não fez de mim um homem rico, mas fez de mim o que sou: fundamentalmente, um homem livre. Aos cinquenta e cinco anos - não é verdade, mas é poético, profundo, e dá recuo -  aprendo que se pode ser livre e infeliz, ou feliz e preso, ou preso e feliz, etc. Todas as combinações são possíveis.

Tenho a minha, e não vai mudar. Allah u Aqbar.

De maneira como um ceviche medíocre, bebo Margueritas soberbas, e afogo espectros patéticos em Yelapas, no bar do Buli-Buli enquanto o meu barco rola as ancas a cem metros de uma praia vazia. Allah u Aqbar!


24.4.13

Puerto Vallarta, Jalisco, México





Puerto Vallarta, Jalisco, México





Melancolia, tristeza, ressentimento

Seria preciso imaginar uma relação a três entre a tristeza, o ressentimento e a melancolia. Esta seria o cabeça de casal, a tristeza o outro e o ressentimento a puta que os mantém juntos. No dia em que se for embora o casamento desmorona-se.

Cair, deitar

Fim do dia; o vento cai e a luz deita-se.

Puerto Vallarta, Jalisco, México, 24-04-2013

São seis da tarde, a luz no jardim à frente do café-livraria (de livros usados) no qual bebo um solitário e oh quão agradável copo de vinho tinto deita-se. O vento vai com ela. Não andam sempre juntos: ele só se levanta pelo meio-dia, ela é mais diligente. A cidade não é bonita nem feia, o que para os padrões destas latitudes é bastante bom.

Passei a manhã toda e parte da tarde a tratar da papelada. Portugal já foi assim -talvez pior, porque aqui as autoridades (enfim, parte delas, a Imigração e a Autoridade Sanitária, ou coisa que o valha) - vêm a bordo.

Os sanitários começaram logo por ficar-me com os frescos todos que tinha a bordo, coisa que me arrelia porque detesto deitar comida fora e estes não me pareceu que fossem de ficar com ela. Era pouca, felizmente.

Amanhã vamos cedo ao mercado e largamos uma vez os mantimentos arrumados. Não sei qual vai ser a próxima escala. Talvez Acapulco, talvez qualquer coisa mais a Sul. Não me apetece nada ir para um porto que prevejo igual àquele em que estou, em pior.

Puerto Vallarta, dizia recentemente um jornal local, perdeu a segunda posição nos destinos turísticos mexicanos. Agora é o terceiro. Não sei qual o segundo, mas imagino que seja Acapulco.


23.4.13

Puerto Vallarta, Jalisco, México, 23-04-2013

Doze dias de mar, dos quais os três primeiros com muito vento; uma escala muito breve numa ilha que parece um bocadinho de lua; uma tripulação fantástica; uma escala de quatro dias no México, um país que há muito queria conhecer, e agora ainda quero mais; um resto de viagem que me vai levar a mais sítios que não conheço; uma interminável sequência de coisas boas e muito boas.

São precisas muitas vidas, assim. Com ou sem vírgula.


22.4.13

Puerto Vallarta, Jalisco, México, 22-04-2013

Foi uma tripulação feliz, unida, motivada que atracou o ARCTIC FRONT na Marina Vallarta e, depois da limpeza geral e aprofundada da embarcação, festejou no bar da piscina do Hotel Flamingo a chegada a Puerto Vallarta, onde vai permanecer três ou quatro dias, enquanto esperava mutuamente que o duche único fosse sendo utilizado à vez. Celebração essa digna e respeitosamente efectuada com várias rodadas de Margueritas gigantes (faltava sempre um para o cheers).

........
A viagem correu como é habitual: muito vento e pouco vento, algumas avarias e algumas reparações, muito cansaço e muito descanso, boa comida, um atum apenas. Nunca serei um grande pescador, nada a fazer.

As pessoas fazem uma ideia errada do que é viajar numa embarcação de vela: o que a torna apaixonante, inescapável, mágica é a simplicidade. Uma bomba avaria e nós reparamos, o paiol de ré mete água em grande e nós colmatamos (esta foi mesmo à saída, debaixo da Golden Gate Bridge), o vento muda e mudamos com ele, a adriça da grande parte-se e navegamos dois dias só com a genoa (não era preciso mais pano, de qualquer forma) e aportamos na ilha Guadaloupe, o vento cai e esperamos um bom bocado antes de arrancar com o motor, um navio em rota de colisão e desviamos.

Coisas simples, puras como beber quando se tem sede ou comer quando se tem fome.

........
A primeira terra mexicana que vi foi a Isla de Guadeloupe. Um bocadinho irónico, porque tem o nome da única ilha das Caraíbas de que não gosto muito. 

A Isla de Guadeloupe parece um pedaço de lua que caíu ali por acaso, e os selenitas não se deram ao trabalho de vir buscar. 

Somos recebidos por três marinheiros da marinha mexicana, três encarnações da simpatia, que nos propõem ajuda, nos dizem que se precisarmos de um mecânico, que e que e mais. Têm pouco que fazer, por um lado; e - vejo agora - são mexicanos, um povo que tem o sorriso fácil e a simpatia à flor de pele, se um galicismo me é permitido.

Estamos fundeados numa baiazinha minúscula, e a meia dúzia de metros centenas de focas e leões marinhos fazem um chinfrim infernal; um golfinho enorme vem inspeccionar-nos - talvez estejamos no seu território, não sei. 

A reparação da adriça foi uma rapidinha como eu gosto. Se estive dez minutos no galope do mastro foi muito.

........
 Não gosto particularmente de fazer leme.  (Antigamente dizia-se governar, mas agora caíu em desuso, pelo menos em Portugal. No Brasil ainda se diz. É pena. Permitia analogias interessantes entre o homem do leme e o governo, por exemplo: ambos são tanto melhores quanto menos governam.)

Mas há momentos de graça quando se governa uma embarcação: aquele em que a temos na mão, por exemplo, como um cavaleiro tem um cavalo em mão. "É como se ela te obedecesse ao olhar", diz-me R. ao ver o leme quase imóvel (ela é um preciosismo da minha parte, claro, um erro. Em português referimo-nos aos barcos no masculino). Erro propositado: ele fala e penso que uma embarcação não obedece, tal como as mulheres que amamos. Como amar uma mulher que nos obedece?

Uma embarção nao obedece. Quem pensa que vai para o mar, como para o amor, mandar deve desenganar-se. Uma embarcação não obedece, tal como uma mulher não deve obedecer. O termo a utilizar é harmonia. Harmonia. Tanto no mar como no amor.

........ 
Hoje - 16 de Abril - pescamos o nosso primeiro peixe. Um atum. São os mais fáceis de apanhar, de tão vorazes. Vou fazê-lo cozido hoje, e de cebolada amanhâ. A tripulação estranha. Mas depois, regra geral, gosta. Devíamos exportar este método de cozinhar peixe, tanto como os pastéis de nata. Sai-se de Portugal e ninguém ouviu jamais falar em peixe cozido.

........ 
Há qualquer coisa de profundamente securizante no mar: os espectros assombram-nos os quartos e roubam-nos o descanso e apesar disso sentimo-nos bem, quase felizes. 

Dissonâncias...

...conitivas. A pila num corpo, a cabeça noutro.

...cogitivas. Os olhos no futuro, a cabeça no passado.

Retratos improváveis

Era um sádico inseguro, e muito aplogético. Pedia desculpa a toda a gente. 

Enfim, na realidade pedia desculpa a si próprio, não a quem cruzava; e não era pelo sadismo, mas pela insegurança.

9.4.13

São Francisco, Califórnia, EUA



Uma tripulante feliz

Auto-retrato na Rosa Malcheirosa, S. Francisco


São Francisco, Califórnia, EUA

 A fotografia mais clássica the Haight - Ashbury

Mais uma da Rosa Fedorenta

  Auto-retrato sombrio em Ashbury


São Francisco, Califórnia


Cafe Zoetrope, do pai da Sofia (a outra).

 The Stinking Rose

 Auto-retrato parcial @ The Stinking Rose

Emeryville, Califórnia, EUA, 09-04-2013

No fundo seria quase preciso esquecer a necessidade de ir para o mar e agradecer ao gerador a maravilhosa tarde de S. Francisco que nos proporcionou, à E., ao R. e a mim.

Começámos na City Lights, livraria onde não devia ter sequer entrado, e depois foi uma festa, uma festa boa, saudável (enfim, isto é discutível. Ontem estava num dia de cerveja -  ale, para ser mais preciso - . Que a diaba vá para o diabo e fique por lá).

O ponto alto, para mim, foi o Stinking Rose, um bar e restaurante que me fez pensar no Café Tati em Lisboa: qualquer deles podia ser noutra cidade, mas ambos contribuem para tornar melhor a cidade onde estão. A ale é óptima, a decoração original e o ingrediente principal também: é um restaurante dedicado ao alho.

Jantámos no Schroeder's, uma respeitável casa que serve "comida fina da Bavária" (a tradução é minha, mas não deve estar muito longe da verdade) desde 1893. Comi a melhor choucroute em muito anos, e uma boa variedade de salsichas alemãs.

Vai ser preciso fazer uma lista dos restaurantes, bares, cafés e tascas onde comemos nesta última semana. Quem disser que os americanos não sabem comer está muito, redondamente enganado.

........
A tempestade afinal não era tempestade, era só vento forte. 40 nós, mas sol. Foi o primeiro dia sem uma nuvem desde que aqui cheguei. E frio, muito frio, o vento é norte. Mais uma coisa a agradecer ao gerador.

........
De modo agora as previsões são boas, 20 - 25 nós pela alheta, sol e, dentro de quatro dias ou cinco, calor. O bote está pronto. Estou à espera de uma alimentação 12V para os computadores e vou sem gerador. Prefiro assim, para dizer a verdade.

........
Ninguém a bordo se atreve a fazer previsões sobre a largada, ou a festejar "a última noite". E eu não voltarei a fazer um post a dizer ATD, a menos que por milagre tenha net a bordo quando tiver largado.

8.4.13

Um homem, mudança

Um homem muda; descobre coisas novas em si. Algumas dúvidas que tinha desaparecem, outras tomam-lhes o lugar, ideias erradas vão, melhores vêm. Um homem muda, e tudo o que lhe resta é regozijar-se por estar vivo, por ser capaz de mudar, por ser capaz de aprender. Um homem muda e o mundo muda; a vida, o passado, o presente. O futuro continua o mesmo, porém: o futuro são as mudanças todas por que passou, empilhadas em equilíbrio instável.  

Emeryville, Califórnia, EUA, 08-04-2013

Hoje vai ser um dia de chill out, como eles dizem. Eu chamo esperar, coisa que mais detesto fazer (ou não-fazer). Tínhamos encomendado umas alimentações 12 V para os computadores (temos dois. Como eu, M. gosta de redundâncias; ao contrário de mim, pode); overnight delivery, etc. As coisas deviam ter chegado no sábado; não chegaram e eu resolvi largar.

Mas sem gerador e com computadores alimentados a 110 achei melhor ficar e esperar a encomenda, claro. Hoje telefonámos para a empresa que os vende. Esqueceram-se de pôr as coisas na companhia de correio. Esqueceram-se. Acontece. De qualquer forma não teríamos podido sair hoje; a tripulação vai chill out, como eles dizem, e eu vou tratar de encontrar um estaleiro que nos possa receber em Quepos.

........
Er. tem um problema com a mulher, Ela não aceita facilmente a separação, passam horas e horas ao telefone todos os dias. Ontem esteve quase para desembarcar, mas depois lá conseguiu convencê-la. Empatizo com ele. Já tive uma namorada assim - com uma diferença importante, porém: eu partia para trabalhar, não para férias.

Quando brincamos com ele, Er. diz que está a "planear manter o casamento". É um objectivo admirável. Mas eu não sei que pensar de um casamento que precisa de seis horas quotidianas de telefone por causa de uma separação de um mês (ou mês e meio, agora).

Não sei, realmente. Por muita vontade que tenha - e tenho - de "casar (se possível com a vizinha do lado) e ter filhos" (entre aspas por várias razões, mas não a falta de vontade), continuo a não compreender uma relação simbiótica.

A solidão pode ser um porto temporário, como recentemente aprendi; mas é um porto necessário. Uma pessoa que não sabe estar sozinha não sabe estar acompanhada.

Emeryville, Califórnia, EUA, 07-04-2013 / III

O homem põe e a mecânica dispõe. Acabámos por não sair devido a uma avaria no gerador. Mas fizemos um belo teste de mar na baía de São Francisco. Vinte nós de vento, frio de rachar, a baía esplêndida. O ARCTIC FRONT portou-se bem, não desiludiu, e salvou-nos o dia.

7.4.13

ATD, ETA

ATD Emeryville 1200 / 070413
ETA Cabo San Lucas 170413

Mer, visage


"Il n'y a jamais assez de mer pour les visages aigus des bateaux."

Le Clézio

Vida, tempestade

Vou para o mar com um aviso de tempestade em curso. A vida nova vai chegar depressa.

Emeryville, Califórnia, EUA, 07-04-2013 / II

Daqui a hora e meia largamos. Vou para o mar com um aviso de tempestade: amanhã e depois vamos ter vento forte. Mas à popa, e o ARCTIC FRONT é forte, está preparado para isso e mais, a tripulação confiante e motivada.

Ainda há muito que fazer no ARCTIC FRONT (se bem seja apenas estética, é importante recebermos os primeiros clientes de cara pintada), e 40 nós está longe de ser um ciclone.



Emeryville, Califórnia, EUA, 07-04-2013

"Next morning, at daylight, the Narcissus went to sea.

A slight haze blurred the horizon. Outside the harbour the measureless expanse of smooth water lay sparkling like a floor of jewels, and as empty as the sky. The short black tug gave a pluck to windward, in the usual way, then let go the rope, and hovered for a moment on the quarter with her engines stopped; while the slim, long hull of the ship moved ahead slowly under lower top-sails. The loose upper canvas blew out in the breeze with soft round contours, resembling small white clouds snared in the maze of ropes. Then the sheets were hauled home, the yards hoisted, and the ship became a high and lonely pyramid, gliding, all shining and white, through the sunlit mist. The tug turned short round and went away towards land. Twenty-six pairs of eyes watched her low broad stern crawling languidly over the beating water with fierce hurry. She resembled an enormous and aquatic blackbeetle, surprised by the light, overwhelmed by the sunshine, trying to escape with ineffectual effort into the distant gloom of the land. She left a lingering smudge of smoke on the sky, and two vanishing trails of foam on the water. On the place where she had stopped a round black patch of soot remained undulating on the swell -- an unclean mark of the creature's rest.

The Narcissus left alone, heading south, seemed to stand resplendent and still upon the restless sea, under the moving sun. Flakes of foam swept past her sides; the water struck her with flashing blows; the land glided away, slowly fading; a few birds screamed on motionless wings over the swaying mastheads. But soon the land disappeared, the birds went away; and to the west the pointed sail of an Arab dhow running for Bombay, rose triangular and upright above the sharp edge of the horizon, lingered, and vanished like an illusion. Then the ship's wake, long and straight, stretched itself out through a day of immense solitude. The setting sun, burning on the level of the water, flamed crimson below the blackness of heavy rain clouds. The sunset squall, coming up from behind, dissolved itself into the short deluge of a hissing shower. It left the ship glistening from trucks to waterline, and with darkened sails. She ran easily before a fair monsoon, with her decks cleared for the night; and, moving along with her, was heard the sustained and monotonous swishing of the waves, mingled with the low whispers of men mustered aft for the setting of watches; the short plaint of some block aloft; or, now and then, a loud sigh of wind."

Joseph Conrad, "The Nigger of the Narcissus"

6.4.13

Doce

Doce é a maldade, quando dela beneficiamos.

Guerra civil, II

Está frio, calor, frio. São Francisco é uma guerra civil meteorológica.

Dor, felicidade

A felicidade é um mau guia. Só a dor nos mostra o que somos, quem somos, e para onde vamos.

Ou devemos ir.

Mar, idade

A idade ensina-nos que não somos omnipotentes, mas de uma forma violenta, quase malsã. O mar diz-nos a mesma coisa mais suavemente. Como as evidências devem ser ditas, ou dadas a ver.

Maldade, bondade

A bondade conhece-se num ápice; a maldade é inesgotável.

Emeryville, Califórnia, EUA, 06-04-2013 / III

Tomorrow, that dreadful word, reappeared. Never been delayed by so stupid a reason: not being able to return a rented car.

Nesta terra em que tudo está aberto vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, cinquenta e duas semanas por ano (incluindo os anos bissextos) as agências Avis de Emeryville e Berkeley fecham ao sábado à uma da tarde e - pior - não aceitam after hours returns

Tentámos fazer disto o melhor possível (tradução possível de make the best of it): comprámos uma quantidade razoável de garrafas de vinho e conversámos. Estamos todos ansiosos por nos irmos embora, cada um precisa de mar por razões que lhe são específicas; a cada um o mar se recusa por razões incompreensíveis.

Da lista toda de hoje já só falta entregar o carro (e comprar mais limões, mas isso quase não conta). 

Amanhã largamos. Amanhã é a palavra mais feia do vocabulário. 

Quando penso no que já gostei dela....

........
Em contrapartida as nossas experiências gastronómicas continuam óptimas. Ontem fomos jantar a um restaurante americano - uma experiência pouco habitual - e depois fomos beber um copo a um bar.  Pela primeira vez saí de Antigua. Dry Martini e Alexander perfeitos, serviço de dar vontade de ir directamente para o altar com a empregada,  ambiente magnífico. 

A civilização é a coisa mais bonita que o homem inventou, depois do amor, ou da falta dele.

Emeryville, Califórnia, EUA, 06-04-2013 / II

Falso alarme! Encontrei o saco, o dinheiro e o passaporte. Estavam no shipchandler onde fui a semana passada. M. vê nisto a mão de Deus. Eu vejo a da honestidade do empregado que encontrou o saco, e mais ainda, recusou a recompensa que lhe quis dar.

Falta arrrumar as últimas provisões, comprar uma extensão para a antena GPS, entregar o carro e largar. Falta pouco.

"Todo o homem é uma guerra civil"*

É espantoso como a maldade e a bondade podem coabitar nas pessoas; ou o amor e o ódio, a tristeza e a alegria, o alívio e a frustração, a esperança e o desespero.

(* - Título de um livro de Jean Lartéguy "Tout homme est une guerre civile")


Emeryville, Califórnia, EUA, 06-04-2013

Esta amaldiçoada transição, iniciada a 4 de Dezembro com uma decisão desastrosa continua maldita. Ontem dei pela falta da mochila verde, Eagle Creek, comprada em 93 antes de ir para o Burundi. Estava velha, e há muito pensava deitá-la fora. Mas com ela foram algumas centenas de dólares e o passaporte. Navegar nestas áreas com o passaporte já é um pesadelo de burocracia. Sem ele vai ser uma experiência interessante.

Também ontem, muito antes de me ter apercebido da falta do passaporte, dei por mim a pensar que as primeiras coisas que vou comprar para a minha casa na Costa Rica vão ser uma televisão, um leitor de DVD e uma colecção de filmes clássicos. Isto anda tudo ligado.

........
Largamos hoje ao meio dia. Hoje é uma palavra tão mais bonita do que amanhã.

5.4.13

Lagos

Pode gostar-se muito de lagos, mas é preciso ver-lhes o fundo para os conhecer verdadeiramente.

4.4.13

Desprezo, amor

Pode amar-se e odiar-se alguém simultaneamente. É frequente, de resto. Mas não se pode amar e desprezar a mesma pessoa ao mesmo tempo. O amor - como o ódio - confere uma existência, um ser, a quem desprezamos; a quem, aos nossos olhos não é.

3.4.13

Emeryville, Califórnia, EUA, 03-04-2013

"Ao menino e ao borracho põe Deus a mão por baixo". Como não posso, felizmente, voltar a ser menino e prefiro ter  a mão dele perto tenho de emborrachar-me. É um sacrifício permanente; nem sempre consigo, apesar dos esforços que faço. Mas quando calha e a divina mão da providência está lá acho que valeu a pena tanta dedicação.

As minhas costas estão a recuperar a uma velocidade estonteante. Já consigo andar quase normalmente, e a dose de mio-relaxante (que o Er. conseguiu apesar das severas leis americanas) tem vindo a ser reduzida. Hallelujah!

........
Cada vez percebo menos a (para mim) injusta reputação que os americanos têm de comer mal. Tenho comido maravilhosamente desde que cheguei aqui - tal como, de resto, comi bem na Flórida, onde provei o melhor caranguejo da minha vida, de muito longe. E isto desde as tascas mais tascas até aos melhores restaurantes.

Ontem fomos a um restaurante japonês chamado Ozumo. Desde o Miyako em Genève que não como tão boa comida japonesa. Anteontem fomos a uma tasca "Hawaianan BBQ". Magnífica (se bem aqui não tenha pontos de comparação, o buffet do Trader Vic's no domingo de Páscoa não tinha nada do Hawai).

Acabámos no Hi Dive, um bar agradável com uma soberba vista para a baía.

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O ARTIC FRONT está praticamente pronto, a tripulação em forma e motivada. Amanhã largamos. Amanhã é sem dúvida a palavra mais utilizada quando se está a preparar uma embarcação de vela para uma viagem de quase três mil milhas.

........
Quem pensa que os Estados Unidos (pelo menos aqui) são o paraíso da tecnologia engana-se. A rede de telefonia celular está permanentemente em baixo, o wi-fi é fraco e é quando existe. Para o estado do Silicon Valley é pelo menos surpreendente.

País

Tu és o meu país. Sem ti todo o mundo é estrangeiro.

2.4.13

Está quase


Parabéns

À Carla e à Bomba. Dez anos é muito tempo.

Emeryville, Califórnia, EUA, 01-04-2013

Nada é simples e tudo se complica, como muito bem dizia Goscinny. Domingo dei meio dia de feriado à tripulação e fomos todos festejar Domingo de Páscoa. Almoçámos no Trader Vic's, um restaurante hawaiano aqui na marina que faz (e aparentemente inventou, a casa original) o melhor Mai Tai que jamais bebi na vida.

Gastámos uma quantidade apreciável de dinheiro, pelo que resolvemos ir a San Francisco. Começámos pelo Rouge et Blanc, uma garrafa de Saumur que tinha provado no outro dia; depois fomos a um pub irlandês, um restaurante mexicano, um bar... quando voltámos para bordo estávamos.

Como de costume lembrei-me de que tenho 55 anos e tentei saltar o portão da Marina. Acabei dentro de água, bastante baixa por sinal, e hoje acordei com uma dor nas costas que pensei me deixaria em terra e numa cadeira de rodas.

Mas felizmente o meu corpo continua o velho e fiel companheiro de sempre, e com uns comprimidos, umas horas na cama e pouca actividade física está a recompor-se a toda a velocidade. O Er. e o R. foram impecáveis, são profissionais de primeira (e tripulantes e pessoas). Espero estar em ordem dentro de dois ou três dias.

Largamos quarta-feira, a descida do Napa trouxe algumas avarias à tona. Coisa pouca, é de certeza o diabo a dizer-me que não devo rir-me dele.

Mas rio, claro. Quero que ele se lixe. Se pensa que é com uma dor nas costas e as bombas para mudar que me deita abaixo está bem enganado.

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M. acabou por ir para casa, a mulher está doente e com problemas. Quanto a mim já o devia ter feito há muito tempo, mas é compreensível, dados o tempo, dinheiro, energia e sonhos que investiu neste projecto. Reembarca em San Diego.

Vou finalmente conhecer essa cidade que há tanto tempo quero conhecer, a cidade do Big Bad Dennis, o primeiro americano a perder a Taça e o primeiro homem a recuperá-la. Se, claro.

........
O frio continua. Esta cidade é invernal, mesmo num dia lindo de primavera, céu azul, nem um nó de vento.