16.3.13

Noite, camélias

A piscina congelou. Tu estavas a saltar na minha direcção, água pela cintura, braços levantados, sorriso de um lado ao outra da cara, os seios espetados e foi nessa posição que ficaste.

O teu corpo imóvel brilha, estátua de gelo à alegria.

Ando de um lado para o outro à volta da piscina, testo a espessura do gelo, tento tocar-te. Mas o braço pára a meio caminho. Não me ouves, não me vês. Imóvel, braços levantados,  a tua alegria reflecte-se no gelo límpido que é agora o conteúdo da piscina.

Vou-me embora.

No bar o barman espera-me com um Alexander. Está encarnado e pergunto-lhe "de certeza não fizeste um Bloody Mary?" e ele respondeu "Não, é um Alexander, mas fi-lo com sangue em vez de natas".

- Não gosto de sangue.
- Experimenta este, é bom. E ficou-me muito barato, comprei-o no bordel da senhora das Camélias.
- Uma puta tuberculosa!!!
- Sim, é por isso que ficou tão barato. Prova-o.

No céu dois corvos fazem um concurso de advérbios de modo. Cada um podia escolhe rum eixo paradigmático. Rocco, o corvo ruivo que tinha muitos irmãos, escolheu  o horror como eixo. Luchino, o outro, escolheu morte. (São antónimos, ao contrário do que certas mentes perversas pretendem). Não acabará tão cedo, o concurso.

- Talvez nunca acabe - grasna Rocco num intervalo.
- Não sei como fizeste para saber o que estava a pensar.
- Leio em ti como numa parangona. Ou como na água congelada de uma piscina, onde uma estátua à alegria se desfaz, lentamente.

- Fala - digo-te, de regresso à piscina. - Diz qualquer coisa.

A fuligem de uma fábrica dos arredores começa a cobrir-nos. "O pôr-do-sol chegou mais cedo, hoje". Não consigo fazer-te rir. O gelo está cada vez mais escuro.

A noite, a fuligem, o silêncio, o sangue do Alexander e os dois corvos a grasnar no céu ganham: amanhã as camélias serão livres.

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