1.3.13

Não-eu

Anda por aí um palerma em Falmouth Harbour que é igualzinho a mim, mas não sou eu. Faz tudo o que eu faço, mas nada como eu faria. Tira o curso da RYA, vai beber copos ao Mad Mongoose, bebe cafés de manhã no Skullduggery, e cada vez que o vejo tenho a impressão de que sou eu, mas do avesso. Porém não sou eu, é ele.

Tem os meus defeitos todos bem à vista de toda a gente; já as qualidades esconde-as bem escondidas (como naquele poema de Pessoa, quase: "nada de teu exagera ou exclui". Ele exagera umas coisas e exclui outras).

Anda sempre carrancudo; ninguém lhe vê um sorriso (excepto uma vez por outra, por razões completamente opacas, misteriosas: aparece-lhe um breve sorriso nos lábios, e desaparece logo a seguir, vá lá saber-se porquê).

É um palerma, sem dúvida. Caiu do céu, ninguém o conhece e toda a gente pensa que sou eu. Mas não sou.

Embebeda-se como eu, muitas vezes; mas não da mesma forma, que tenho o álcool leve e alegre. Ele tem-no calado, seco, como se em vez de tirar água do poço para lá a estivesse a pôr. Não passa pela cabeça de ninguém, encher um poço em vez de o esvaziar. (Se não pela daquele idiota, claro.)

Acaba de receber uma notícia pela qual esperou quase dois anos. E que faz o palerma? Em vez de se regozijar fica ainda mais triste. Eu não: comprei uma garrafa de cava e vou festejar, logo, no barco onde ele e eu tiramos o curso da RYA.

Se por acaso alguém o cruzar, peço encarecidamente não pense que sou eu. Não é. É um palhaço e não sabe que está a imitar um farsante - mas mal.

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