31.1.12

Uma idiota

Aquela Merkel deve realmente ser idiota. Ora vejam aqui, e aqui.

Reedição

"Já aqui deixei vários posts sobre o silêncio, que é uma coisa nobre e apreciável, e o não-dito, exactamente o contrário: cobarde, indigno, mal educado. Portugal é um país de não-ditos, mas não é um país de silêncios.

Esta verdade simples e, para mim, linear não deixa nunca de me magoar, apesar de a conhecer há anos e de cor. Tudo o que não compreendemos nos magoa (enfim, falo pelas almas sensíveis e frágeis como a minha).

Não consigo compreender como é que um povo (ou pelo menos uma burguesia) tão bem educada, tão cheia de chichis e cocós e maneiras e chás e saber viver e pergaminhos e mais meia dúzia de que os pariu não percebe que é preferível dizer uma má notícia, ou "não", ou seja o que for a ficar calado.

E o pior é que não quero perceber."

Isto é e vai ser um eterno espanto. Não consigo perceber bem se a razão deste comportamento é cobardia ou sadismo, se uma estranha mistura dos dois.

"Ladies Night"

Há muito tempo que não ficava de boca aberta a ouvir um guitarrista.

Espuma dos dias

O Metropolitano de Lisboa não aceitou publicidade para uma rede social de homosexuais. É a espuma do dia.

Retrógrado, patético, credo o que por aí fora vai. Pergunto-me como seria se a publicidade fosse a uma associação que defendesse as mulheres na cozinha, que os animais não são pessoas ou que entre Hitler e Staline venha o diabo e escolha.

O princípio básico, simples, primário de que o Metropolitano de Lisboa tem o direito de aceitar a publicidade que quer seria, como dizer?, respeitado, aposto.

30.1.12

Soberania

Diário de bordos - 300112

Ontem fomos à praia. Era domingo e estava cheia:


Felizmente o meu conceito de praia é mais este:



O meu médico aconselhou-me a cerveja; eu tentei, naturalmente (sou naturalmente obediente). Mas a cerveja é má e custa 8 EC (East Caribbean Dollars, cerca de 2,20 euros); o rum punch é óptimo e custa 7 EC (1,95). Sou obediente, mas também sou um teso e optei, com algum espírito de sacrifício, pelo rum.

A T. cantou Fever (não há fotografias). Tem uma voz linda e canta muito bem, afinada. Hoje vai haver uma festa no pontão e vamos lá. Vai aprender sea shanties, a forma de folclore de que mais gosto, vá lá saber-se porquê.

Quando voltámos da praia estava a escurecer. O mastro do MIRABELLA V sobressaía da verdura.



Fomos jantar ao Road Runner. Eles agora fazem lasagna, que comemos em vez de pizza. Também é deliciosa.

(Fotografia de TVP.)
(Fotografia de TVP.)
Ou seja: os dias continuam triviais. Por vezes temos convidados para o jantar:


A confecção é um bocadinho artesanal. A cozinha é ao ar livre, e quando chove temos de a proteger.


Outras vezes damos passeios. Despedi-me da Ondeck por uma questão de números (ou melhor, de relação entre eles - trabalhava mais do que ganhava) e tenho tempo disponível.

(Fotografia de TVP).
Isto é em Catamaran Marina, do outro lado de Falmouth Harbour. (Já viram o efeito que um mastro de madeira faria aqui?)

No Reef Gardens temos um cão disfarçado de gato. Mas disfarça muito mal.


(Fotografia de TVP.)
Visto de fora parece um gato, mas na realidade é um cão.

(Fotografia de TVP.)

Os dias são bons, e passam muito depressa. Ontem era Natal; hoje está Janeiro a acabar. Gostaria de ser um bocadinho menos feliz, para o tempo passar devagar. Mas só um bocadinho, claro.

 

(Para a Helena, com muitas fotografias como ela pediu.)

27.1.12

Diferenças

O não-dito magoa, fere, faz mal; o silêncio ajuda, cicatriza, faz bem.

O não-dito afasta as pessoas, releva a distância entre elas; o silêncio é uma ponte.

Fantasmas,

A ler aqui.

Parem, olhem e pensem

À atenção das empresas portuguesas. Seria talvez tempo de começarem a olhar para a vela com olhos de pensar.

Ditados populares

O saber não ocupa lugares.

25.1.12

Sorte

Cavaco Silva mete o pé na argola, de novo. Não é a primeira vez e não será provavelmente a última. Alguém num blogue que li recentemente espantava-se com a quantidade de baba que por essa esquerda fora corre, com a amplidão dos gargarejos.

Não há melhor indício de que as coisas vão melhorar.

22.1.12

Passado, futuro

"O teu passado é do tamanho do meu futuro".

Pobreza, miséria

Podemos ser pobres, mas não devemos ser miseráveis. A miséria é o fundamentalismo da pobreza.

O abismo e a rama

Percorro o reader, pela primeira vez em muitos dias. Apercebo-me de que se há países que têm uma atracção pelo abismo, Portugal tem-na pela superfície. Das coisas, quero dizer.

Family life

Soberbamente descrita.

Diário de bordos - 220112

Hoje também foi dia de folga, inesperadamente. O day charter é assim: os clientes reservam à última hora, e cancelam idem. Não me queixo. Estava a precisar de uns momentos para mim, de pôr a escrita em dia, de passar em terra um dia soberbo como o de hoje.

Está vento, e com excepção do B., o nosso vizinho canadiano que quase nunca se vê somos os únicos ocupantes do Reef Gardens. Não há grande coisa a fazer, ou dizer: os dias triviais são os melhores.

Pouco a pouco integramo-nos na comunidade local, notoriamente fechada. Enfim, local é uma maneira de dizer: a comunidade dos yachties, esse mundo flutuante que, como dizia a Helena, parece ser outro planeta.

Todos se conhecem de outros portos, de outros barcos, encontram-se e reencontram-se com grandes manifestações de alegria para depois passarem mais meia dúzia de meses, ou anos, sem se ver.

Os mega-iates a motor vão para St. Marteen; os de vela vêm para Antigua. A marina está cheia de mastros - temos cá o MIRABELLA V, que durante anos teve o mastro mais alto do mundo, com 85 metros; o ANGEL'S SHARE, um Wally de 132' que é a coisa mais linda que já vi passar, num doce balanço no mar; o FIREFLY, que também é a coisa mais linda, etc..  E etc. e etc.: são inúmeros. O VELSHEDA, uma réplica do RANGER, o SAUDADE, se não me engano o maior Wally até hoje construído.

Muitos biliões de dólares, muita gente, muita beleza. A indústria dos mega iates alimenta milhares de pessoas e cria trabalho nas mais variadas coisas - de restaurantes e bares, claro, a artistas - pintores, fotógrafos, ceramistas - passando pelos serviços técnicos: mergulhadores, electrónicos, maquinistas, catering, veleiros, electricistas, riggers (as pessoas que fazem, instalam ou reparam mastros), reparadores de fibra e gelcoat. E depois há os day workers, malta que vai trabalhar ao dia nas mais variadas coisas (normalmente, mas nem sempre, as desagradáveis: vernizes, limpezas depois de uma travessia).

Às vezes pergunto-me se é na verdade o mundo dos iates que é "outro planeta". A mim parece-me que ele é que é "o planeta".

O gajo da mota acaba de passar. É um idiota que tem uma super-mota qualquer e todos os dias - todos os dias, não é uma força de expressão - atravessa Falmouth Harbour a uma velocidade estonteante. Enfim, não é só a velocidade, é sobretudo o barulho que aquilo faz. É horroroso, agressivo.

Hoje é domingo, temos direito a várias "passagens" do senhor. A mota ouve-se a quilómetros de distância. Na sexta-feira comentava com M., o dono do Sun Ra o quanto gostaria que ele (o gajo da mota, claro) morresse. "Não te preocupes, ele vai tratar disso sozinho", respondeu-me.

Aparentemente é familiar de um gajo qualquer importante na polícia e goza de impunidade. Não acredito muito na explicação, porque a verdade é que em Antigua se conduz de uma forma que faz os portugueses parecerem suecos, e nem todos os condutores devem ter familiares bem colocados na polícia. (Pelo menos não sou obrigado a pôr o cinto de segurança, apesar de ter, como diz um gigantesco billboard à entrada de St. Johns, "alguém à minha espera em casa"). 

Porque hoje é domingo

Alberto Gonçalves, sempre!

21.1.12

Diário de bordos - 210112

Primeiro dia sem trabalho em quase duas semanas. Descubro misturas novas, inesperadas, insuperáveis: a serotonina post-prandial, por exemplo, com o rum pré-prandial e o vento; o sol na baía e a sesta num quarto fresco, pequeno e bonito.

A serotonina fica bem com tudo - ou então é ela que tudo melhora.

20.1.12

Diário de bordos - 200112

Trivialidades

Meteorologia - "Viste a previsão do tempo para hoje?", perguntou-me recentemente um cliente. "Sim", respondi. "Vejo-a de dois em dois meses sem falta".

Casamento - Vou casar-me. Para prevenir más interpretações, devo dizer que eu só perguntei. Ela é que disse que sim.

Crescer - Crescer é um processo agradável que consiste em deixarmos de nos espantar com o caos do mundo; crescer bem é mais difícil: consiste em extasiar-nos com esse caos.

Escrever - Preciso de escrever tanto quanto de navegar. Infelizmente não consigo escrever todos os dias. Felizmente, mais do que compenso com o mar.

Dieta - Comecei uma dieta muito rígida. Deixei de beber rum com coca-cola, por exemplo. Agora só bebo rum punch.

Trivialidades - Quanto mais triviais, melhores são os dias. Não sei porquê.

15.1.12

Felicidade, cansaço

Bom, bom, é quando estar cansado e ser feliz não são antagónicos.

Domingo

Alberto Gonçalves no DN. Que pena não ser domingo todos os dias.


9.1.12

Diário de bordos - 090112

O dia chega ao fim; trabalhei de manhã, dormi à tarde. Não foi complicado - um grupo de americanos que gostou do passeio e das manobras todas que fez. Sento-me no gazebo e vejo as nuvens imóveis - amanhã não vou ter vento nenhum. A oeste as montanhas negras, opacas recortam-se do azul escuro e alaranjado do céu. A linha de vento - uma ligeiríssima brisa - pára a cinquenta metros da margem. Entre os arbustos entrevêem-se as luzes dos mega-iates na marina. A sul Monserrate vê-se perfeitamente, o penacho de fumo do vulcão a misturar-se com as nuvens, muito poucas.

Atrás de mim uma senhora dá aulas de zumba - aparentemente uma dança - a trinta outras senhoras das mais diversas formas e feitios. O conjunto é agradável, pacífico. A luz parte rapidamente, quase ao ritmo da música. Bebo um rum com coca-cola (cada vez ponho menos Coca no rum: falaram-me recentemente num artigo sobre os terríveis malefícios do refrigerante).

T. vem sentar-se ao meu lado, entretida com o seu computador. A escuridão é agora quase total. Vejo distintamente o verde e o encarnado das bóias, as luzes de fundeadouro dos que se preocupam com isso, relativamente poucos.

A aula de zumba acabou. A noite chegou de vez - enfim, daqui a pouco haverá luar e uma estrada prateada traçará a baía. Não sei como descrever a paz, e não me preocupo muito com isso. Prefiro que seja ela descrever-me a mim, a descrever-se através de mim.

MEC em forma

"Fidalgos, queques e betinhos"

7.1.12

Diário de bordos - Falmouth Harbour, Antigua, 07-01-2012

Hoje os bordos foram a terra. Não tinha trabalho e fomos, a minha jovem metade pensante e eu a St. John's, "à aventura". Chegámos às cinco da tarde, o princípio do fim do dia. A cidade estava como sempre (quando não é domingo) cheia de gente, fervilhante. É a única forma de gostar de St. Johns: sendo pouco interessante - enfim, totalmente desinteressante - só o caos lhe dá vida e a torna atraente.

Começámos pela livraria. Chama-se Best of Books. Tem uma boa colecção de livros de receitas locais, alguns clássicos e todos os best-sellers do momento. Fica ao lado do Hemingways, que hoje estava aberto - "está quase sempre, há 21 anos", diz-nos Ann, a encantadora proprietária do local. Nunca lá tinha ido. Falha minha, ou desencontro - a verdade é que não vou muitas vezes a St. Johns.

O restaurante é lindo, os rum punch do melhor (sobretudo o "Clássico". O outro é demasiado doce para o meu gosto), os aperitivos (provámos conch fritters, crab cakes e saltfish fricassée) muito bons. Ficou a vontade de lá voltarmos para jantar a sério um destes dias.

Quando íamos a sair falámos de novo com Ann e o local, mais do que encantador, tornou-se mágico. Ann é filha de um português ("Camacho, da Madeira") cuja família está na ilha desde o século XVIII. O edifício onde estávamos a comer foi construído pelo seu trisavô madeirense e nunca saiu das mãos da família.

Portugal está em todo o lado, mesmo quando se afasta de nós.

Hemingways com dona ao fundo
Padaria móvel e respectiva padeira (foto de TVP)
Pessoas ocupadas em St. Johns
Esquina de fim do dia
Casino e Poker Club Keno Palace
(Fotografia de TVP)

De volta ao Reef Gardens, o nosso lar doce lar, o dia escoa-se, ajudado por umas cervejas; somos empurrados para fora dele por uma horda de mosquitos alucinados de fome (ou sede?). Antigua e Barbuda é o 16º país mais feliz do mundo. Deve haver por aí uma injustiça ou imprecisão quaisquer, mas pouco me importa. 

6.1.12

Diário de Bordos - Falmouth Harbour, Antigua, 06-01-2012

Tive que procurar a palavra: fascinado; deslumbrado. Gosto mais desta. Todos os dias faço a mesma coisa, e todos os dias o que faço é diferente: às vezes tenho mais passageiros, outras menos; às vezes são duas horas e vou a English Harbour, outras são seis; às vezes está muito vento, outras (raras, felizmente) está pouco. Às vezes os passageiros são simpáticos. Os de hoje eram adoráveis, um casal de québécois, relativamente jovem. Mas não foram eles que me deslumbraram, ou fascinaram. Nem o dia ter sido magnífico ou o ATHENA começar pouco a pouco a tomar forma.

O que realmente me deslumbra, me surpreende todos os dias, é gostar tanto do que todos os dias faço. Como é possível alguém ter sequências tão longas de dias magníficos e não se cansar deles e de gostar tanto deles? 

4.1.12

Parabéns delituosos

"Um oásis na opinião portuguesa"

A ler, aqui.

O nível da discussão pública (política e outra) em Portugal é muito baixo, rasca, abaixo de cão. De vez em quando aparece um comentador que, simultaneamente, sabe escrever e sabe do que fala. Pedro Santos Guerreiro é uma dessas raras pessoas. Só não percebo é porque são tão poucas.

(Via A Douta Ignorância.)

1.1.12

Diário de bordos - 010112

O ano novo passou por mim a dormir. O velho já lá vai, como tantas coisas. Portugal, por exemplo. Parece-me cada vez mais distante. As notícias, os posts, os comentários que leio referem-se a um país que pouco a pouco se afasta de mim, um país que me parece cada vez mais estranho, nos dois sentidos do termo.

"On n'est pas d'ici, demain on s'en va", diz uma das minhas frases favoritas (é do pai de Marguerite Yourcenar, relatado por ela em Souvenirs Pieux, se não me engano). Não é a primeira vez que tenho esta sensação de que não sou eu que me afasto, é o país que sai de mim, se extrai até dele pouco ficar.

Talvez o que fica em nós depois de tudo o resto sair seja o mais importante, o que nos define. Não sei. Sei que hoje chega a metade boa de mim; que em breve estaremos de saída não importa para onde; e que, cada vez mais, o meu país é aquele onde vivo cada dia, não aquele onde nasci ou os que deixei.

Todas trazemos em nós um bocadinho de onde somos; mas é um bocadinho de um jardim, uma parte pequena da nossa terra: o resto fazemo-lo nós. "A pátria é um acampamento no deserto", diz um provérbio árabe citado por Cioran. Talvez seja uma sucessão de acampamentos no deserto: a pátria é a vida que vivemos, os lugares onde vivemos, mais aquela porção do tempo que fomos sedimentando (porque a maior parte do tempo esvai-se, desaparece, deixa de existir. Só uma pequena parte dele se mantém em nós, e nós nela).

Não conheço Antigua, já por aqui o disse: vivo numa bolha chamada Falmouth Harbour. Os meus amigos são tão italianos, ingleses, franceses, irlandeses como antiguanos (aconselho que se pronuncie antiganos, como o nome do país se pronuncia antiga). É um bom acampamento, num bom deserto.

Em breve haverá outros. Ainda bem.