30.3.09

Estação de serviço

"Sou uma espécie de estação de serviço para egos femininos", explicava-me com ar bastante sério. Lembro-me bem dele - baixo, gordo, com uma calvície acentuada que o tornava tudo menos atractivo. Mas a verdade é que o víamos (já não sei onde - provavelmente em Cape Town, ou no Rio. Não sei porquê, identifico-o sempre com o hemisfério Sul) mudar de namorada com a regularidade de um farol. Quando nos apresentava uma conquista recente dizia "lua nova, mulher nova", num àparte já de todos conhecido.

A duração das paixões variava entre uma semana e um mês, raramente mais. A cada ruptura ele aparecia-nos demolido, de rastos, a sofrer crucificações. Depois recompunha-se e recomeçava.

Nessa noite apanhei-o sozinho, entre dois casos. "Ainda é demasiado cedo para te falar nela, ainda não é suficientemente cedo", explicava-me. Gostava de paradoxos e de jogos de palavras, pelo que não liguei muito. "A única coisa que não percebo", disse-lhe, "é porque sofres tu tanto com cada caso que termina. Tu já deves saber que eles vão terminar assim, não?"

"Sabes, sou uma estação de serviço para egos femininos. Elas vêm ter comigo, eu apaixono-me perdidamente, amo-as o melhor que posso e sei; faço-as sentirem-se mulheres, femininas, amadas, desejadas, cajolées, dorlotées, mimadas, lindas. Quando têm o ego recauchotado vão-se embora, e engatam outro tipo qualquer, mais rico e mais bonito do que eu, mais apresentável. Se eu não me apaixonar, nada disto funciona". Encolheu os ombros e acrescentou "não sei mentir, que queres?"

6 comentários:

  1. Todos vamos tendo uma ou outra experiência do género, Luís. Aparecemos no momento errado, mas sempre ajudamos a limpar umas feridas. O meu quinhão de experiência não foi de todo desagradável. Teve lados muito positivos – numa perspectiva «exploratória de expressões afectivas» - e deixou uma boa amizade. Gosto de ver a situação descrita pelo lado masculino – com esse travozinho de vitimização que parece tão mais típico das mulheres. :-)

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  2. Waw, Luísa, o seu comentário dava pano para mangas de seis camisas, pelo menos.

    Vamos por partes:

    - A história é, claro, uma pequena ficção que tenta inspirar-se em factos comuns e frequentes.

    - A vitimização de que fala é trocista, no quinquagésimo segundo grau - uma pessoa que "não sabe mentir", neste contexto, só pode ser tola. Faço muitas vezes troça da dor (tanto da minha como da alheia), por educação e feitio; e também porque me parece ser a maneira mais fácil de a suportar.

    - Todas as experiências têm lados positivos,

    - Last but not least: tenho um lado feminino hipertrofiado, sem dúvida, e que por vezes se manifesta das formas mais desadequadas.

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  3. A grande verdade, Luís, é a última, e só pode considerar-se muitíssimo abonatória!
    De resto, também considero que é um acto de inteligência (social) equilibrar o desagradável – designadamente um desgosto amoroso – com um pouco de humor. Quanto a mim, parece que me compensa bastante rir de mim própria mas, sobretudo, fazer rir os outros – sempre disfarça o lado pouco digno da auto-comiseração. ;-)

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  4. Nota: A «grande verdade» não é verdadeira em relação às «formas desadequadas» por que se manifesta, claro! ;-)

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  5. Um restaurador de egos femininos é uma figura muito romântica, Luís. E fica com um lugar cativo na memória delas, quase que juraria. Coisa que não acontecerá, muito provavelmente, com a maioria dos tais "tipos que engatam a seguir". :-)

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Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.