17.2.09

Correntes

Não sou, a Luísa sabe-o, dado a correntes - costumo nadar, mas contra elas. Porém, vinda de si não posso dizer não. Pior, digo "sim" feliz - não só "feliz entre mulheres", mas "feliz", por um lado; e "que mulheres!", por outro.

O livro que estou a ler chama-se "Hipérion", e é de Friedrich Hölderlin. Como não gosto de correntes, perdoar-me-á decerto que comece com a primeira frase da página (afinal a Luísa deu o exemplo) e transcreva muitas: "Foi para mim um amável sonho copiar-te as cartas que em tempos troquei. Agora volto a escrever-te a ti, meu Belarmino! para te conduzir para baixo, até à mais funda profundidade do meu sofrimento e depois, ó último dos que me são caros! vem comigo até ao lugar onde um novo dia nos iluminará.

A batalha sobre a qual escrevi a Diotima começou. As naus turcas tinham-se refugiado no canal entre a ilha de Quios e a costa asiática e estavam ancoradas ao longo da costa até perto de Tschesma. O meu almirante abandonou a formação, na sua nau, onde eu me encontrava, e começou o prelúdio abrindo fogo sobre a primeira nau dos turcos. Logo ao primeiro assalto os dois navios em cólera inflamaram-se ao rubro, foi um tumulto horrendo, ébrio de vingança. Em breve os dois navios estavam amarrados com cordame um ao outro; o furioso combate foi-se tornando cada vez mais renhido.

Uma profunda sensação de vida ainda me percorria. Todos os meus membros sentiam calor e conforto. Como quem experimenta a emoção da despedida, o meu espírito fazia-se sentir, pela última vez, em todos os sentidos. E então, cheio de fervente azedume por não saber fazer outra coisa melhor do que deixar-me abater no meio de uma turba de bárbaros, com lágrimas de fúria nos olhos, precipitei-me para onde sabia que a morte seria certa."

Escrevo este post ao som de John McLaughlin, Al di Meola e Paco de Lucia, um disco chamado "Passion, Grace and Fire". Não consigo deixar de pensar que esta belíssima descrição de um abandono ao destino se aplica, quase palavra por palavra, a outros abandonos.

Adenda: passo esta corrente a um blog chamado A Ponto.

1 comentário:

  1. O desespero do abandono a um destino inexorável joga muito bem com a interpretação intensa do trio em «Passion, Grace and Fire» (música e album). Não conheço o livro e fiquei interessada. Obrigada por entrar na corrente; mas, sobretudo, por entrar feliz. :-)

    ResponderEliminar

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.