23.12.08

Analogias, ou Correr com o tempo




Quando está mau tempo - demasiado para prosseguir a sua rota normal (ou como aqui, um navio de pesca, para continuar a faina) - um navio tem duas soluções: "correr com o tempo" (é o que neste caso o "Altair" está a fazer) ou "pôr-se de capa".

"Correr com o tempo" consiste - parece-me intuitivo, mas nunca se sabe - em colocarmo-nos na direcção do vento e navegar com ele: o vento relativo diminui, o navio "cansa-se" menos (e os homens também, claro) e, enquanto houver água a sotavento é deixar ir. É uma solução confortável, mas que exige atenção ao risco de se embarcar uma vaga pela popa.

Como tudo no mar, esta solução tem limites: pode acontecer, naturalmente, que a direcção do vento esteja próxima do nosso rumo; mas é raro. Por uma razão que só alguns meteorologistas, e os pessimistas sabem explicar, o vento vem sempre do sítio para onde nós queremos ir, sempre (a alternativa, numa embarcação de vela, sendo não haver vento, mas isso é outra história).

Se o capitão se apercebe que correr com o tempo o afasta demasiado da rota (ou que corre o risco de ficar a barlavento de uma costa, coisa que nenhum capitão no seu perfeito juízo quer, muito menos com mau tempo), dá a voz "põe de capa" (ou "à capa").

A capa é o contrário: aproa-se ao vento, reduzem-se as máquinas (numa embarcação de vela, o pano) ao mínimo indispensável para manter o navio governável, e espera-se que aquilo passe (na Namíbia uma destas tempestades pode durar uma semana, se bem seja raro. Normalmente são dois ou três dias). O objectivo é oferecer o mínimo de resistência ao vento e ao mar, apresentar-lhes a menor superfície de embate possível. Na capa o navio sofre, geme, bate na vaga - mas o risco de embarcar mar pela rampa de pesca; ou daquilo a que os marinheiros portugueses do antigamente chamavam uma "volta de mar" (é uma vaga que rebenta em cima do navio. Ninguém imagina os estragos que pode fazer) são menores, pois o que se apresenta à vaga é a proa.

A gestão do mau tempo é, quase sempre, uma mistura de capa e de correr com o tempo. Claro que há outras situações - sobretudo lá para o fim das depressões, em que o mar fica "cruzado", as vagas se tornam piramidais (em vez de fazerem estas linhas bonitas e paralelas) - mas os leitores que me perdoem: isto não é um curso de marinharia. É uma analogia.

3 comentários:

  1. :-)

    Gostei da analogia: acho-a muito pertinente.
    Mas também das primeiras noções do curso de marinharia...

    Feliz Natal e um excelente novo ano.
    Que o tempo das tempestades termine de vez, são os meus desejos.
    :-)

    ResponderEliminar
  2. Obrigado, cara Fugidia. Retribuo-lhe os votos (os de Natal, Ano Novo e tempestades).

    ResponderEliminar
  3. Gosto de analogias em geral, e esta é esplêndida. Mas talvez seja presunção minha, pelo prazer de ver o meu nome associado à ideia de um saber aprofundado... :-)

    ResponderEliminar

Não prometo responder a todos os comentários, mas prometo que fico grato por todos.