4.12.07

Lisboa

I
Um gajo qualquer quer ser ministro. Está no seu direito: se calhar (não o conheço) já não tem idade para dar uma queca fora do penico, ou acha que a sua reforma é insuficiente e quer complementá-la com um lugar na administração de uma grande empresa, depois do sacrifício; ou por outra razão, seja ela qual for, ele lá sabe.

Mas para chegar a ministro acha que é preciso fechar a Ginjinha do Rossio, obrigar a outra (a melhor, entre nós seja dito) a servir em copos de plástico ("recipientes descartáveis", dizem eles. "Descartáveis". "Recipientes"), proibir a venda de bolas de Berlim sem uma parafernália de equipamento, ou invadir restaurantes com um bando de palhaços disfarçados de terroristas.

E ninguém se revolta, ninguém se manifesta, ninguém lança uma pedra que seja à janela do carro do homem (excepto, verdade seja dita, alguns bloggers e alguns cronistas nos jornais, mas não é a isso que me refiro).

II
Vou a pé de Santos ao Chiado, para comprar uma porcaria qualquer sem a qual não posso fazer café. Todas as lojas que têm o raio da coisa estão fechadas. Todas. São sete da noite.

III
Acabo no Mal Amanhado, na Praça da Alegria, um restaurante decente, sólido, português, tradicional, onde há tempos servia uma jovem senhora pela qual metade da clientela se babava e a outra (refiro-me ao universo masculino, largamente maioritário, ao meio dia) salivava.

Começaram por fechar ao almoço. Hoje, vejo no menu: “Estamos a implementar um sistema HACCP (Hazard Analysis and Critical Points Control – Análise de Perigos e Pontos Críticos de Control*)”. E não há quem os mande para o raio que os parta? (Eu não mando, dá-me para ser cobarde, às vezes).

Possuímos formação em Higiene e Segurança Alimentar”, continua o menu. Pata que os pôs, pata que os pôs, pata, pôs. Começo a perceber porque irei pagar dezoito euros por um prato de bacalhau na telha (excelente) e meio jarro de vinho da casa (idem).

IV
Felizmente, antes disto tudo, passei na Mesa Francesa (http://www.mesafrancesa.pt/): o meu amigo Brice, atarefado até às orelhas com os cabazes de Natal, oferece-me dois dedos de conversa, e um copo de Sta. Eufémia Branco, o melhor porto branco que jamais me passou pelo estreito (não é bem verdade, mas como o melhor Porto branco que jamais bebi também é da Casa de Sta. Eufémia, a coisa quase que passa).

É esta, a Lisboa que quero deixar aos meus filhos; não a do sinistro cabrão que quer ser ministro. Merci, Brice.

V
Por vezes, por razões diversas, vou ao Snob beber um whisky (hoje comecei por um Alexander, bom sem mais). Na mesa do canto (do outro canto, preciso para os eventuais habitués) um jovem, muito jovem, casal janta. Ele perora sobre as “dificuldades” de tradução da primeira frase do Temps Perdu: “Longtemps, je me suis couché de bonne heure” é, seria, muito difícil de traduzir. A rapariga acena que sim, vagamente. Pouco depois, o senhor do bar põe um disco do Sinatra. Ela trauteia todas as músicas: uma rapariga, por muito jovem que seja, que conhece Sinatra não vai em balelas.


* - "Controlo de Pontos Críticos", eu sei. Mas já não me lembro se copiei verbatim ou não. Que se lixe, es ist nicht so schlimm.

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