7.11.07

Noite

O cenário é o terraço de um restaurante. A vista é soberba, para a Baía. É pequeno, sete mesas próximas umas das outras, um cheiro enjoativo a cozinha, um patrão pequeno ele também, careca, italiano.

Peço meia garrafa de um vinho brasileiro, uma mistura a priori pouco apetecível de Cabernet Sauvignon, Merlot e Pinot Noir. O vinho vem a ferver para a mesa. Num canto da varanda um músico jovem canta e toca mal velhos clássicos da música brasileira. Na mesa à frente dele um homem gordo deixa-se acariciar freneticamente por uma senhora gorda. O cheiro da cozinha invade tudo, apesar do vento, da vista linda, do momento simpático que acabei de passar na entrega de prémios da Transat 6,50. Todas as mesas estão cheias; a varanda é opressiva.

O vinho é uma merda - talvez arrefecendo melhore. A gorda roça o gordo e o inconveniente, mas compreende-se: deve sentir-se grata, infinitamente grata. A tal ponto que consegue fazê-lo reagir, e agora é ele que a abraça e beija e lhe lambuza o pescoço todo. Só a chegada da salada interrompe a cena, desgostante.

O vinho não melhora: adstringente, taninado, sem corpo, com um final de boca a saber a nada - o rótulo descreve-o bem: "Vinho Tinto Seco Fino". Fino, sobretudo fino.

O músico faz uma pausa e depois recomeça, muito melhor; um rebocador chega ao porto - deve ser o que vi há bocado da Barra; o cheiro diminui de intensidade. Começo a ter sono - em breve regressarei ao hotel. A melancolia chega, pouco a pouco, como uma maré morta. Deixo de ver a gorda, porque mudei de mesa e agora ela está tapada pelo homem.

Não há más noites. Sem ti o sono é amargo, é verdade. Como este vinho, esta música ou o quarto que me espera. Mas não é má, é só um bocadinho triste.

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