28.8.05

Descoberta tardia - II

Penso que só no leito de morte descobriu que as palavras não são todo-poderosas.

Adenda:
Muito antes disso, descobriu que o coito tão-pouco tinha o poder que ele lhe atribuía.

27.8.05

Diálogos

- Apetece-me mexer em mamas, não sei porquê - dizia-me muitas vezes.

E eu mexia-lhe nelas, claro, porque sempre interpretei aquilo como um apelo.

26.8.05

Revista de Imprensa

No Público (link só para assinantes) um título: "Desigualdade no mundo é maior do que há dez anos apesar do crescimento". Apesar? Apesar. Se eu duplicar os meus rendimentos e o Bill Gates também, a desigualdade entre nós aumentou - o que não nos impede de estarmos os dois melhor, não é?

25.8.05

Pedido

Venham, palavras, acorram, despachem-se. Digam-lhes que as amo, que são únicas, todas, cada uma, que me fazem pensar no mar azul no céu; comparem-lhes os seios à lua, cheia ou meia, tanto faz, ou digam-lhes que nela me põem, plena; que as mãos delas me percorrem como a poeira uma estrada do deserto, e os cabelos têm a cor de um candeeiro à noite numa ponte de Praga (nunca lá estive, mas pelas fotografias vê-se que é verdade); que entre as nádegas delas e as dunas do Kalahari pouca ou nenhuma diferença há, pelo menos nas formas redondas e nos sonhos; falem-lhes do ventre liso como a metade da praia que hoje à noite se via, no olhar nefasto e quente como os incêndios na savana, ou na Serra da Estrela, é igual.

Venham, palavras, acorram. Façam-me escrever, falar, ditar, mimar, façam o que quiserem, eu faço o que vocês mandarem, mas venham.

Falem-me, se quiserem, da igreja neo-gótica de Luderitz, da pequena encalhada num bar do Panamá, num navio que se afunda na Rússia, numa vida que se salva no Zaire; falem-me do fogo em ti, do amor em nós, do ódio neles, do bom e do mau e do medíocre, do simples e do complicado; falem-me de uma ressurreição em Cape Town ou de uma morte no deserto, falem-me de uma vida no mar, da vida se é que tal coisa existe; falem-me do sorriso da minha filha, dos seus amores e das tristezas, falem-me da ilusão, palavra tão bonita, ou da música de Nick Cave e de Leonard Cohen e de BachedeBeethovenedasegundasinfoniadeMahleredoesforçoqueéescreversemespaços; e com eles também. Falem-me da dificuldade que têm em vestirem-se para sair, as palavras, e voltar com um pôr-do-sol no Índico, um elefante no Krueger Park, uma leoa melancólica, um sorriso irónico na tua face de que tanto gosto (do sorriso e da face).

Falem-me, ou façam-me falar, disso tudo e de tudo o mais, o que é indizível e inaudível e incompreensível com palavras ou sem elas, com vocês ou não.

Lembrem-se que sem palavras a vida é nada, o deserto não existe sequer, nem o mar, nem o amor que por ti sinto, nem o ódio, nem a fome sequer, ou a sede. Sem vocês o mundo não existe, coitado, o Cave nada diz e do Leonard nem se fala; sem vocês o sol não se põe, o mar não mexe, o peixe não tem gosto e o teu olhar não sabe a nada.

Venham, despachem-se, por favor. Dêem ao mundo a vida, à vida a luz, à luz a côr, à côr o teu nome, ao teu nome e a ti o tempo, todo.

Para S.

23.8.05

Haverá alguma maneira?

"Hey, that's no way to say goodbye", canta o L. Cohen a meu lado.

Penso nas inúmeras vezes que já disse e ouvi esta frase, e pergunto-me se haverá alguma maneira de dizer adeus.

21.8.05

A ler, absolutamente

Esta entrevista no Impertinências.

(Via O Insurgente).

O problema em África é político, e tentar resolvê-lo com dinheiro é inútil.

19.8.05

Descoberta tardia

Penso que só no leito de morte descobriu que as palavras não são todo-poderosas.

17.8.05

A ler

Um artigo sobre V. S. Naipaul

(19/08/05)
E este, uma interessante proposta de equiparação jurídica de terroristas a piratas.

Retratos imaginários

Era um sensual altruísta: preferia dar prazer a recebê-lo.

13.8.05

Extractos de diário de bordo

060805 / 1910
Posição: 33º 11' N 015º41' W
Rumo: 085º
Vento: W / 2
Mar: Encrespado
Pano: Vela Grande toda, Genoa toda, amuras BB.
Obs.: Velas em borboleta. Navegação sem história, excepto os golfinhos, a perfeição deste fim de dia, o "Blue Seven" que faz o seu caminho tranquilamente, indiferente às ânsias de performance do tripulante. (...) Enfim, um dia para este se amarinar e reencontrar os demónios velhos, e amigos, que comandam o prazer e o bem-estar.


070805 / 0130
Posição: 33º 14' N 014º59' W
Rumo V: 085º
Vento: NW / 1-2
Mar: Encrespado
Pano: Vela Grande toda, Genoa toda, amuras BB.
Obs.: Saltos de vento e manobras de pau: receita ideal para um quarto que passou num instante. - E uma noite magnífica, claro: estrelada, ventada e (quase) quente.


080805 / 1350
Posição: 33º 32' N 011º15' W
Rumo V: 085º
Vento: NNW / 1
Mar: Chão
Pano: Vela Grande toda, Genoa toda, amuras BB.
Obs.: O vento foi-se, veio o martelo. Foram-se as nuvens também, voltou o vento e foi-se outra vez, veio o almoço e seguiu-se-lhe a sesta, inevitável. Tempo bom, excepto o vento, fraco. (...)

12.8.05

Casablanca

A cidade é bonita, pelo menos a parte dela que eu vi. Mas tem a beleza triste da pobreza. A pobreza mata tudo, torna tudo mais triste.

A mesquita é linda, esmagadora, situada à beira-mar, e faz-me sentir uma enorme simpatia por esta cultura tão antiga, e tão bonita; e que agora meia dúzia de atrasados mentais, bárbaros, tentam destruir. Enfim, não são meia dúzia, não são atrasados mentais e não sabem que é essa cultura que eles atingem, mais do que a nossa. É irónico pensar que a modernização do Islão será feita à força, devido aos fundamentalistas.

As pessoas são de uma simpatia e de uma gentileza inacreditáveis e vejo, pela primeira vez em muito tempo, raparigas que não andam vestidas todas da mesma maneira - desde a mini saia de umbigo à mostra (rara, apesar de tudo) até ao tradicional vestido e véu, a variedade é grande. E belas, gazelas, cores de canela.

E depois - como resistir a uma cidade que se chama Casablanca?

O futuro do passado

Still many fights to fight, muitas estradas longas, cheias de curvas e a subir, muitos buracos onde tropeçar; porque, como dizia há tempos uma amiga querida, não saberei nunca viver sem um desafio, uma batalha, uma montanha demasiado íngreme, um vento contrário a contornar e a vencer e a convencer.

Um objectivo basilar, fundamental - se bem que ainda não o objectivo final - foi atingido. Uma longa batalha, vencida à custa de angústia, firmeza e rum, em doses iguais. A vitória tem tanto mais sabor? Pois sim - mas preferiria ter tido outro ano...

Asneiras

As asneiras sucedem-se, umas atrás das outras como carruagens de comboio numa passagem de nível.

Mar

Uma das muitas qualidades do mar é a sua fenomenal tolerância. Se certas pessoas andassem na estrada como andam no mar, morreriam em cinco minutos.

Bandas

Antigamente havia no terrorismo internacional a banda de Baader-Meinhof; hoje há, na náutica de recreio, a banda dos 5 Nós por Hora.

5.8.05

Madeira

As ilhas oprimem-me. Pelo menos as grandes, as que se pretendem grandes.

3.8.05

Lou (Reed)

"Death by the visitation of God". Seria esse Deus o silêncio? Não.

in "The Raven", Warner Brothers, LC 00322

Palavra

Só conheço uma palavra, sabes? - Mas ainda estou à procura dela.

Pois

Et c'est justement ça que je vais faire: me taire.

É um privilégio dos deuses, dos seres superiores, nietzscheanos, super-homens, de quem não sabe o que o ressentimento é. Calar-me: não é amanhã a véspera desse dia. Fraco demais, sabes? Fraco carácter. A palavra é-me indispensável, pobre de mim.

As palavras

As palavras são ferramentas poderosas, perigosas. Deves usá-las cuidadosamente, pé ante pé, letra ante letra, parcimoniosamente. Vê para onde vão: são boomerangs, também.

Abusa do silêncio, se quiseres: é o teu mais fiel aliado, o único.

Surpresa

Hoje vi, pela primeira vez, um título no jornal a defender a Ota e o TGV. Era de um senhor da construção civil...

Carta

O mar espera-te, sabes? Prepara-te: não é muito confortável. É azul, sempre azul (ou quase sempre), húmido, e (Inch' Allah) ventoso. Não pára de mexer e de te abanar, e por vezes faz-te sentir que estás numa máquina de lavar roupa desenfreada e vingativa.

Alguns dizem que é sempre a mesma coisa, mas não é: é como um filme do Godard, mas em tamanho real - tuda muda, e tudo parece ficar igual. Gosto do mar, tu sabes, mas não sei explicar-te porquê: porque é azul, porque muda incessantemente, porque é a minha margem e o meu centro, o meu limite e a minha raiz.

Gosto de ti como gosto do mar: és o meu azul, a minha imanência, o meu vento, sem o qual não sei nem quero viver. Estás longe, e eu amo o longe; estás perto, e eu toco-te com os dedos; e com o amor, sempre.

2.8.05

Vento

Gosto destas noites ventosas. Uma vez, no Portinho da Arrábida, fui levado pelo vento: era tanto que o motor do bote não o conseguiu vencer quando voltava para bordo, e fui à rola.

Felizmente apercebi-me que estava a passar por cima de um banco de areia e fundeei com o motor e a bossa. Às seis da manhã a maré encheu e continuei a ser arrastado para fora. Fui apanhado às onze por uma traineira, a não sei quantas milhas da costa.

Não foi, longe disso, a única vez que o vento me perguntou pelos meus limites. Mas dei-lhe a boa resposta: não sei onde eles estão, mas sei que ainda não chegaram.

* - bossa, à rola, fundear: será mesmo necessário dar os significados destes termos? Tentei, e pareceu-me tão pedante que apaguei tudo. Quem precisar, pode perguntar para o link em Habla con el.

O Pinho é tosco

Criam-se empresas em uma hora, dizem eles. Para mudar a sede de uma empresa unipessoal de uma rua em Cascais para outra rua a cem metros da primeira é preciso:

a) Uma acta,na qual se estipula que o proprietário reuniu consigo mesmo e deliberou mudar a sede; (esta acta é em si mesma um monumento, porque 95% do texto é igual de acta para acta, mas tem que aparecer em cada uma delas: nomes da empresa e do sócio, morada, nº de contribuinte, nº do Registo, etc.);
b) Uma declaração de alterações passado pelo TOC (a acta não chega...);
c) Ir à Conservatória do Registo Comercial fazer o registo;
d) Ir às Finanças anunciar o dito.

Tudo isto demora um mês - o tempo que o Pinho levou a decidir que o aeroporto seria na OTA, e que o TGV avançaria.

Pinho tosco...

1.8.05

Aviso à navegação

Este blog anda por baixo. É bom sinal; ou mau, não sei. Melhores dias virão, para ele como virão para mim. É preciso paciência, ou tempo, que é a mesma coisa.

Escrever te; ou: O Papel da Pele

Não sabes quanto desejo escrever-te, descrever-te, à flor de pele, à flor do corpo, corpo a corpo, à flor do desejo, linha a linha.

Não sabes quanto quero escrever-te, nos, dedos no papel da pele, olhos no abecedário do desejo, letra a letra, milímetro a milímetro.

Amigo do meu amigo...?

Hoje, num artigo publicado no Suplemento de Negócios do Diário de Notícias, Pedro Santana Lopes defende que os contentores devem sair de Alcântara. É uma evidência, uma simples questão de bom senso, e eu temo que as questões da OTA e do TGV façam esquecer esta, igualmente importante.

Santana Lopes não é o meu modelo de governante, nem de político. Mas neste ponto tem razão, toda a razão, e há que dizê-lo.