1.7.05

Vento

O horizonte é o castelo, a sua torre de menagem. Gosto destas noites que, não fosse o vento, seriam insuportavelmente quentes. Muito baixa, mesmo por cima do horizonte, está Orion, e as Três Marias, e a memória do desejo que tenho de aqui estar contigo.

A simpatia da empregada do restaurante é contagiosa: ela parece-se com as falésias de Dover num dia de chuva, mas é infinitamente mais afável. O gaspacho está esplêndido; o vento, de todos os elementos aquele que eu prefiro, também.

Uma noite sem vento, costumavas dizer-me, é como uma mulher sem alma; dizias-mo nos dias de calmaria, tempo interminável em que ficávamos a pairar em pleno Atlântico, em que o amor substituía aquela calma mortal, em que me davas a ver, e a tocar, a tua alma, todas as tuas almas. Eras um tufão, tu sozinha; e nós os dois éramos outro, melhor.

Mais tarde, muito mais tarde, encontrávamo-nos numa cidade sem torre de menagem, sem vento, sem Orion - apenas o tufão era o mesmo, os mesmos. Tu tinhas mudado, e eu também: sabíamos agora que o amor é um auto-estrada cujas peagens são caras, um ciclone cujos estragos se pagam a dobrar. Já não acreditávamos em boleias, nenhum de nós; e o amor desconfiado era uma novidade, para ti como para mim.

- Força - dizia-te. - Acredita em ti, no teu direito à felicidade. E lembra-te que para a tua a minha não conta, ou muito pouco: todo o amor é egoísta. Alimenta-se do que o outro nos dá, do que do outro temos em nós, do que do outro nos apoderamos. Por isso te amo; assim quero que me ames.

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