31.7.04

Pesadelo

Um personagem de Bacon num quadro de Bosch?

Pesadelo 2

O mundo acabou por se transformar num quadro do Bosch; poupo a descrição, por agora: tenho dois ou três monstros por afogar.

Os quais acabaram por se defender e me atacaram num belo movimento coordenado (se bem que "coordenado" seja uma palavra demasiado bonita para ser utilizada neste contexto). Resisti enquanto pude. Nadei, corri, debati-me; em vão. Finalmente deixei-me ir para o fundo de um copo de gin que, generosamente, me acolheu de braços abertos. E lá passei a maior parte do ano.

Prazeres da vela

A preparação de uma viagem: estudar as condições meteorológicas prováveis, a melhor rota, qais os portos de escala e os portos alternativos em caso de problema, fazer um check list do equipamento a verificar, reparações a fazer antes da largada, compras, mil e uma coisas. A viagem começa antes de começar, e nunca acaba.

30.7.04

Reiser

"Nous, on ne baise plus: on s'aime", diz um casal de (velhos) soixante-huitards num cartoon de Reiser.

Via Malícia-de-mulher encontro este site. "Fuck" ocupa a 5598ª posição; "love" a 384ª. On est tous des soixante-huitards attardés.

Delírio

Por vezes, o mundo parecia-lhe um quadro do Bosch, com os personagens vivos, animados e vorazes.

Dor, Indignidade

Não são feitas para andar juntas; mas andam, tantas vezes.

27.7.04

Portugal e a produtividade

A produtividade em Portugal é, dizem as estatísticas, muito baixa. Por mim, acho que se poderia subir rapidamente esse indicador, com um remédio relativamente simples: diminuir o tempo de trabalho das pessoas.

É fascinante ver a quantidadde de pessoas que, no nosso país, não têm tempo para nada (refiro-me unicamente à vida profissional, claro). Hoje aconteceu-me uma que talvez não seja paradigmática, mas é pelo menos exemplar: telefono para a senhora X e explico-lhe ao que venho (devo dizer que, como de costume, só consegui falar com a senhora ao décimo telefonema); ela responde que para isso seria necessário marcar uma reunião - ao que eu acedo, naturalmente;
- Só que agora não tenho tempo: vêm aí os Jogos Olímpicos e a Volta a qualquer coisa e e e e e;
- Não faz mal - respondo. Marquemos uma reunião para Setembro, nessa altura terá certamente mais tempo.
- Óptimo. Telefone-me em Setembro para marcarmos uma reunião.
- E não podemos marcá-la agora? É que, sabe, é muito difícil conseguir falar consigo ao telefone, e assim fica a reunião marcada e poupamos tempo aos dois.
- Não, não é possível, porque ainda não sei o que vou fazer em Setembro.
- Pois, mas se marcarmos a reunião, pelo menos já sabe o que terá que fazer num determinado dia a determinada hora. É para isso que servem as agendas.
- As agendas não servem quando se tem muito trabalho e se anda sempre dentro e fora do gabinete.

Ecco. Se esta senhora trabalhasse menos, continuaria decerto a não fazer nada e a produtividade nacional aumentaria proporcionalmente à diminuição do tempo de trabalho. Claro que se, simultaneamente, ela começasse a fazer qualquer coisa, aí o indicador "produtividade" daria um gigantesco salto para a frente.

Mas não sonhemos com ladrões.

Será que na Suiça, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na França, na Alemanha, na Espanha (países onde eu tenho trabalhado, ido em viagem para trabalhar, ou tido contactos profissionais), onde os e-mails têm resposta, as reuniões têm data - mesmo que com meses de antecedência - e os telefones são atendidos se não à primeira pelo menos à segunda ou terceira tentativas, as pessoas não fazem nada? Não trabalham?

23.7.04

Declaração

Nessa noite, sentado num café na margem do rio, fez-lhe uma declaração de não-amor.

Spaghetti alla Siracusana

E já que estou em veia de reminsicências peninsulares (da outra península) e tenho o livro ao lado, aqui fica a receita do Spaghetthi alla Siracusana, outra das minhas favoritas. Felizmente, quem olha para mim não vê o quanto eu gosto de cozinhar, e comer.

1 pimento verde
1 beringela
1 lata de tomate 400gr.
2 dentes de alho
Azeitonas descaroçadas
Alcaparras - quem delas gosta. Eu, passo.
3 Filetes de anchovas
Manjericão fresco
Rosmaninho

Assar e pelar o pimento; cortar a beringela em cubos grandes; cortar o tomate em bocados grandes também, claro; aquecer azeite numa panela com um pouco de alho. Tirar o alho quando a azeite está bem perfumado. Meter os bocados de beringela e deixar dourar 10', mexendo sem parar (é uma receita para hiper-activos); juntar o resto dos ingredientes e deixar cozer em lume brando enquanto se trata do spaghetti.

Num prato de serviço grande e profundo dispôr a massa, um pouco de queijo ralado e o molho por cima. Servir com um tinto ligeiramente fresco, na varanda ou no terraço.

Spag Bolo

O principal ingrediente do Spaghetti alla Bolognese - "spag bolo" para os íntimos - é tempo. E se não tiver pelo menos duas horas para deixar apurar este molho de tomate com carne picada dentro (e não, ao contrário do que frequentemente se vê por aí, molho de carne picada com tomate), se não tiver pelo menos duas horas à sua frente, não comece sequer a fazê-lo.

Se tiver esse tempo, ou mais, comece já: um bom, grande, refogado de tomate, a carne picada,  fígado de galinha (e, ou, bacon) , funcho, cenoura. As ervas: orégãos, rosmaninho, paprika, orégãos outra vez, noz moscada, cravinho-da-Índia, pimenta, muita pimenta. Um pouco de vinho branco, lume  brando, mesmo no limite da fervura, um toque de colher de vez em quando - quando se vai à cozinha encher o copo de vinho, por exemplo. 

Dourar os legumes e o bacon. Juntar a carne picada e deixar dourar; juntar o fígado, 1 ou 2 minutos depois deitar um copo de vinho branco, ou dois, vá lá saber-se. Deixar evaporar o vinho, cobrir com caldo de vaca (costumo juntar também um pouco de caldo de legumes), concentrado de tomate, temperar, esperar, mexer de vez em quando - mais quando do que vez - esperar.  O molho deve fazer-se a si próprio, e só quando ele nos avisa da cozinha que está pronto é que o devemos tirar do lume. Faça muito deste molho cada vez que o faz, e congele-o. Não há maneira melhor de receber uma visita inesperada (e querida).

Nem melhor entrada para um jantar italiano - Braciolette Ripieni, por exemplo (Escalopes de Vitela Recheados): um recheio composto de pão, passas, parmesão ralado, pinhões ou amêndoas (prefiro os primeiros, de longe), salsa picada. Tudo bem misturado, distribuido sobre os escalopes, cada um deles coberto por uma fatia de fiambre. Dourar numa frigideira e cozer em vinho branco 20 ou 25' (a minha mãe diria: até estar cozido), numa panela coberta, claro. Quando cozido, reservar os escalopes, deixar reduzir o molho de metade, vertê-lo sobre os ditos, servir com fatias de pão grelhado, e partilhar: com o ser amado, com amigos queridos, com um desconhecido de passagem. A essência da cozinha é a partilha.

22.7.04

True Love

"True love leaves no traces", canta L. Cohen. Eu acrescentaria: "no painful traces".

Passado

O passado, querida, não é um cemitério. É um parque onde as sombras se passeiam, solidificam, desvanecem-se, entram e saiem, vão e vêm, ora visíveis ora invisíveis. O passado, querida, é como o metro: tão depressa está cheio como vazio, tão depressa encontras uma face conhecida como só vês desconhecidos que contigo nada partilharam mais do que uma estação ou duas, ou o percurso entre elas.

Désir

Le désir le remplissait comme l'eau une piscine. Il y nageait, pour se maintenir vivant.

Não se deve...

...brincar com o fogo: são sempre  mais do que um, os queimados.

Enganos

O desejo engana-se, infelizmente, muitas vezes; como, de resto, o amor.

J'aime bien croire, toutefois, qu'il y a quelque chose au-delà qui ne se trompe pas; mais je ne sais pas comment l'appeler. 

Escultura

Apareceste-me esculpida num bloco de tempo, e eu não sei se estas palavras são uma homenagem a ti, ou a ele.

Séduction

Souvent, l'objectif n'est pas séduire; il est se séduire.

Désir

Le désir est-il, comme il le défendait, sain?  Enfin, toujours sain?

Memória II

Passeava-se por aquela cidade como pela memória de outro.

21.7.04

Melancolia

Não muito longe corre e gorgoleja o Arve ; no leitor de CDs uma cantora africana, de quem nunca tinha ouvido falar, canta; é o fim de um dia pesado, abafado, e a trovoada prepara a sua chegada; estou a beber um vinho muito bom: Diolinoir du Valais, 2000 - que também não conhecia. O dia chega lentamente ao fim. Refugiei-me na varanda, único sítio da casa onde há um pouco de ordem e de fresco. Estou sozinho. Nenhuma, nenhum, dos meus tus está aqui. 
  
De que é feita a melancolia? De hojes, de ontens, de uma mistura dos dois? De tudo: tudo lhe serve, tudo a alimenta - ontens, hojes, agoras ou amanhãs, sucessos e insucessos, amores desfeitos e amores perfeitos, felicidades e infelicidades, tristezas e alegrias,  presenças e ausências, fealdades, torpezas, tudo.

Até de si própria se alimenta.

Paraphrase

Je est deux, trois, beaucoup.

Estratégias

E cada vez que ele encontrava uma mulher por quem corria o risco, menor que fosse, de se apaixonar, afastava-a - com grandes declarações de amor.

20.7.04

Esperança

A esperança pode não morrer, mas por vezes mata.  Estou farto dela: não quero mais esperança, quero resultados, aqui e agora!
 

12.7.04

Enganos e dúvidas

Pedro Santana Lopes primeiro-ministro? Afinal o senhor que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas fez um erro, como dizer?, monumental.

Paráfrase II

Começas a conhecer-me. Não existo.

11.7.04

Ana Gomes

Leio as declarações de Ana Gomes, e pergunto-me se enquanto foi Embaixadora tambèm falava assim? Ou auto-censurava-se?

Jantares na Lua

O jantar do dia 14 de Julho vai ter como tema a perversão. E não há melhor maneira de ilustrar gastronómicamente a perversão do que utilizar a culinária para fins diferentes da simples e sã alimentação do corpo (e do espírito, que também é corpo e se alimenta das mesmas coisas).

A ementa do jantar (como de costume seleccionada pela Helena, do Digitalis), o blog a visitar imperativamente, vai ser:

BOLETOS FUNGOS (Receita de Apicius)
GIGOT DE MOUTON A LA ROYALE (Mme. de Montespan)
SURPRESA DE CHOCOLATE

Com o objectivo louvável de vos informar sobre os pratos e as circunstâncias em que foram usados, vamos preparar uns textos explicativos.

O jantar custará, como de costume, 25 euros por pessoa (incluindo bebidas) e será às 21h no restaurante Lua (avenida 24 de Julho, 90B-C, Lisboa, para quem vem do país real). Não vamos pôr os venenos na comida, o que é, decerto, um pouco perverso.

O meu telefone é 213 909 038 / 917 550 930, em caso de dúvida.

Inscrevam-se quanto antes, para termos tempo de ir à drogaria...

Apelo

Escreve-me, telefona-me, fala-me, faz qualquer coisa-me.

10.7.04

Memórias inventadas

Lembro-me do teu corpo, que era longo, e do teu olhar, vivo e alegre, e dos teus cabelos encaracolados. Tínhamos, lembras-te?, o hábito de fazer amor na praia, dentro de água, com as ilhas como pano de fundo. A água era morna e transparente e o amor durava uma eternidade. Àquela hora estávamos sós - ou pelo menos pensávamo-lo então: uma vez apercebemo-nos de alguém que nos mirava, escondido numa duna. Eu amava os teus olhos azuis e os teus lábios e a tua pele que se cobria de areia quando regressávamos, felizes e saciados, e nos deitávamos na praia, como os personagens de romance de Le Clézio que estavas a ler. Citavas-me longas passagens dele, de cor, porque a tua memória, como o teu corpo, como tu, era perfeita. O livro chamava-se "Le Chercheur d'Or".

E um dia disseste-me: "eu, pelo menos, encontrei o meu ouro. És tu."

Embriagar

Gostava de me embriagar porque no dia seguinte podia preocupar-me com coisas simples, comezinhas: vómito, dores de cabeça, náuseas. Esquecia aquelas coisas complicadas e vastas como o dinheiro, a morte, a doença, o trabalho, o futuro, a solidão.

9.7.04

Pornographie

J'aimerais écrire un post pornograhique. Mais tous le sont.

Um homem simples

- Sou, decididamente, um homem simples.
- E bêbedo.

Os corpos e a inteligência

"On ne baise pas avec nos corps, mais avec nos intelligences", dizia-me. Eu não acreditava. Ela tinha o hábito de, antes de cada felação, mergulhar-me o pénis numa bebida alcoólica; "dá mais gosto", explicava. Um dia sugeri-lhe o champagne, e ela gostou. Ficou a nossa bebida, e ainda hoje é a minha.

Gostava muito dela: era uma alemã de Heidelberg com feições de viking, e duas maminhas que se pareciam com o Monte Fuji. Cada vez que fazíamos amor eu pensava num haiku do Issa "Lentamente, lentamente, / caracol / sobe o Fuji". Fazíamos amor frequentemente: ela morava perto de mim. Todos os dias me deixava em casa um xarope de maracujá que, misturado com vodka, água tónica e grenadine constituia um cocktail ao qual, mais tarde, vim a chamar CTS (de Commodity Tracking System, um programa de informática no qual estávamos a trabalhar e que, mais ou menos nessa época, acabámos com sucesso).

Ela tinha um namorado francês, dono de um hotel. Assim que acabávamos de fazer amor explicava-me que estava com ele por causa da estabilidade, e só por causa da estabilidade. Em seguida, pedia-me para a ir deixar a casa, que era o hotel dele.

Não consigo deixar de pensar nela: não me lembro do seu nome, nem do que ela me chamava quando me insultava, o que era frequente. Insultava-me copiosamente, aos gritos, enquanto tinha um orgasmo; insultava-me porque queria que eu lhe desse estabilidade e orgasmos, e eu não podia: ou um ou outro.

Chicragna

"O Certificado Especial de Navegabilidade para a viagem até Cascais, pode ser passado com base em atestado emitido por perito a nomear por esse Consulado".

Não tiro a vírgula entre o sujeito e o predicado. Não tiro nada, só registo. E digo: Allah u Aqbar.

5.7.04

Dúvida

Leio um magnífico texto, reflectido, bem escrito, simultaneamente denso e abrangente de Basílio Horta na última edição da revista "Egoísta", dedicada (e dedicado) à Europa.

O senhor Basílio Horta é ou foi do partido do senhor Paulo Portas?

Família

Não tinha, propriamente, uma família; conhecia contudo algumas pessoas que, com ele, partilhavam pai e mãe, avô e avó, tios e tias.

Dor:

a sua ausência, quanto mais não fosse, satisfar-me-ia.

Discrepância II

Não sou o que estou.

Discrepância

Não falo com ninguém do PSD ou de direita que esteja contente com a ida de Pedro Santana Lopes para PM. Curiosa discrepância esta.

4.7.04

Esperança

No fundo, procuro apenas meia dúzia de palavras sobre a esperança. Espero encontrá-las depressa.

Sopha de Melllo Breyner

"Ele porém dobrou o cabo e não achou a Índia
E o mar o devorou com o instinto de destino que há no mar."

Será que posso utilizar estes versos para meu epitáfio?

Mar

A porta de saída chama-se mar. Quando regressamos tudo nos parece ligeiramente melhor.

2.7.04

Bananificação

Mais um passo na bananificação do país: Santana Lopes eleito presidente do PSD por 98 votos a favor e 3 contra. Três. Há três pessoas no Conselho Nacional do PSD, em cento e uma, com bom senso.

Vento

"Vento, tanto vento. / Há só vento no meu país" são versos de Eugénio de Andrade de que gosto muito. Pensava muito neles, na Suiça: lá não há vento. E o vento falta-me tanto como o mar.

Coincidência (etimológica)

Ele distribuia genes generosamente.

Paráfrase

Começo a conhecer-te. Não existo.

1.7.04

Unanimidade?

Já não bastava ele ser escolhido, ainda tem que ser por unanimidade? Disgrace.