30.1.04

Os mineiros da verdade

"um jornalista é um profissional, não um cavaleiro andante com missão e causa a defender a todo o custo."

- Que disparate - dirão muitos - claro que o jornalista tem uma causa e uma missão, mas isso não exclui o profissionalismo.

A missão dos jornalistas, pensa-se em geral, é dizer ao público o que se passa, fornecer-lhe uma explicação (que varia, necessaria e legitimamente, de jornalista para jornalista), e propôr uma plataforma aos intervenientes para darem, eles também, a sua explicação.

E pensa bem quem assim pensa, quanto a mim: mas os jornalistas, ou a maioria deles, não pensam assim. Eles são os paladinos da verdade, os defensores do direito, da justiça, dos pobres e dos oprimidos, redresseurs de torts, o quarto poder. Eles têm, em suma, uma missão sobre-humana.

E, é sabido, quem tem uma missão sobre-humana não pode vergar-se aos factos comezinhos da realidade, nem às leis feitas para os outros; o direito à informação - que a maioria, (e insisto, claro, que o que digo não se aplica a todos os jornalistas), transforma rapidamente no "dever de informar" - sobrepõe-se a todos os outros direitos, a todos os outros deveres.

E coloca-os, a eles jornalistas, numa casta à parte. O Sr. Andrew Gilligan, por exemplo, não tinha como missão reportar aquilo que, devido à sua profissão, estava à vista dele : não, a sua missão é trazer a verdade à luz, expôr "a verdade", coisa que os seus leitores necessariamente desconhecem, por não terem, como o Sr. Gilligan, acesso aos segredos do príncipe.

E essa "verdade", o Sr. Gilligan tem o dever, sagrado, de a expôr à luz do dia. Em nome desse dever o Sr. Gilligan pode cortar certas esquinas - um fim tão elevado justifica, sem dúvida, que os meios sejam ligeiramente "flexíveis"; o Sr. Gilligan sabe uma coisa que ninguém sabe: que o seu primeiro-ministro é mentiroso, desonesto, sedento de poder, manipulador dos media e da opinião pública. Há, em nome da verdade, em nome do dever de ser informado, que desmascará-lo.

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